Disse Dona Mariquinha: “baixem essas armas!

Disse Dona Mariquinha: “baixem essas armas!

Por Laurez Cerqueira

Grá de oito meses do décimo filho, com a casa fervilhando de homens tensos, armados de garruchas, espingardas de chumbinho, de repente ouviu-se um brado de: “fiquem quietos que eu vou resolver essa situação!”
 
Ela abriu a porta, botou o barrigão na frente. Os dois soldados, sob ordens do prefeito-Coronel da região, Mozart David, apontaram os fuzis. Ela disse: “baixem essas armas! Não quero ver desordem na frente da minha casa!”
 
Bateu a mão nos canos dos fuzis e disse mais: “entrem nesse jipe e vão embora agora!” Mozart David, assustado com o inesperado, ordenou aos soldados que entrassem no carro. Sumiram na poeira da praça de chão batido, de Mortugaba, profundo da , antes chamada Tabajara.
 
Tudo isso porque meu pai, junto com os compadres, camponeses como ele, queriam construir uma , em mutirão, para os filhos.
 
O prefeito não admitia a ideia. Foi à nossa casa para prender meu pai e tomar dele um aparelho de alto falante, usado todos os sábados, dia de feira, na campanha para construção da escola.
 
Não passaram! Minha estava lá.
 
Essa é “Dona Mariquinha” ou “Dona Lica”, minha mãe, essa da foto, ao lado dos netos: Leandro, meu filho, Kátia e Flávio, filhos do meu irmão Leônidas. Chamada “Dona Mariquinha”, pelas amigas e amigos, e “Lica” pelo meu pai, Genésio. Puro carinho.
 
No Dia/Mês  Internacional da Mulher, gostaria de homenagear minha mãe e todas as do que lutam por , e por direitos iguais para todas e todos.
 
(*) Esse episódio está narrado na biografia do educador Anísio Teixeira, que estou escrevendo.
Laurez Dona Mariquinha
Laurez Cerqueira – Escritor. Foto do autor. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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