Ecologia, segundo os Yanomami
No momento em que o Universo desmorona nos rios e nas florestas devastadas pelo garimpo, na Terra indígena Yanomami, no estado de Roraima, indignando o pensar humanitário e ecológico de todo o planeta, vale a pena uma reflexão cuidadosa do grande líder Davi Kopenawa, pajé do povo Yanomami, sobre a compreensão do conceito de ecologia, segundo o entendimento ancestral de seu povo.
Por Kleytton Morais
Na floresta, a ecologia somos nós, os humanos. Mas são também, tanto quanto nós, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol! É tudo o que veio à existência na floresta, longe dos brancos; tudo o que ainda não tem cerca.
As palavras da ecologia são nossas antigas palavras, as que Omama [o demiurgo yanomami] deu aos nossos ancestrais. Os xapiri defendem a floresta desde que ela existe. Sempre estiveram do lado dos nossos antepassados, que por isso nunca a devastaram.
Ela continua bem viva, não é? Os brancos, que antigamente ignoravam essas coisas, estão agora começando a entender. É por isso que alguns deles estão agora inventando novas palavras para proteger a floresta. Agora dizem que são a gente da ecologia porque estão preocupados, porque a terra está ficando cada vez mais quente.
Nossos antepassados nunca tiveram a ideia de desmatar a floresta ou escavar a terra de modo desmedido. Só achavam que era bonita, e que devia permanecer assim para sempre. As palavras da ecologia, para eles, era achar que Omama tinha criado a floresta para os humanos viverem nela sem maltratá-la. E só. Somos habitantes da floresta. Nascemos no centro da ecologia e lá crescemos.
A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. A terra ficará vazia e silenciosa.
Os espíritos xapiri, que descem das montanhas para brincar na floresta, em seus espelhos, fugirão para muito longe. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger. Não serão mais capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram. Não conseguirão mais conter os seres maléficos, que transformarão a floresta num caos.
Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar.
Kleytton Morais – Presidente do Sindicato dos Bancários. Brasília, Distrito Federal.
Davi Kopenawa – Xamã Yanomami, pensamentos expressos em A Queda do Céu – Palavras de um xamã Yanomami – Davi Yanomami e Bruce Albert. Companhia das Letras, 2010.
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