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Elson Martins: Em toda sua vida Chico Mendes jamais deixou de se dedicar às lutas sociais e políticas

Elson Martins: Em toda sua vida Chico Mendes jamais deixou de se dedicar às lutas sociais e políticas –

Por:  Elson Martins

Para os seringueiros do Acre, o hectare que o Incra utiliza como medida para demarcar lotes nos projetos de colonização, ou a extensão de latifúndios, é inservível. O tamanho e importância de um seringal podem ser medidos pelas estradas de seringa ou número de colocações de produção de borracha.

Nos anos 1970/1980, os acordos propostos por alguns fazendeiros para acomodar famílias numa área retalhada em lotes de até 50 hectares, foram recusados. Os seringueiros preferiam permanecer em suas colocações, com três estradas de seringa somando em média 300 hectares e sem cercas.

Em 1984, Chico Mendes passou a argumentar que a reforma agrária deveria respeitar os contextos sociais e culturais específicos da Amazônia. Ao participar da fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros em Brasília, em 1985, ele desenvolveu com seus companheiros a proposta de Reserva Extrativista, uma verdadeira revolução no conceito de unidade de conservação ambiental que não separa o homem da natureza.

Para além da criação de uma nova categoria de unidade de conservação que não implicasse na retirada dos moradores “tradicionais”, mas sim no reconhecimento de sua contribuição para a manutenção da floresta de pé, o movimento liderado por Chico Mendes ajudou a construir a parceria entre ambientalistas e movimentos populares. É por isso que não se estaria exagerando ao dizer que o movimento dos seringueiros é um dos criadores do chamado socioambientalismo no Brasil.

A Reserva Extrativista, que é hoje a reforma agrária dos extrativistas, começou no Acre e se expandiu pelos distintos biomas do país beneficiando pescadores, coletores quebradeiras de coco-babaçu e outras categorias identidades sociais que articularam suas lutas no campo político aberto pela dos seringueiros. A Amazônia tem hoje 64 Resex ́s e 16 RDS (reservas de desenvolvimento sustentável). A criação destas unidades de conservação, em si, valoriza um estoque de recursos naturais estratégicos para o País.

A informação de que “a floresta em pé” vale mais do que qualquer outro projeto desenvolvido na mesma área, foi assumida por cientistas desde meados de 1970, mas só chamou atenção após o assassinato de Chico Mendes. Ele argumentou que os seringueiros viviam há mais de 100 anos da borracha, castanha e outros produtos da floresta.

Em julho de 1988, ele declarou: “Meu sonho é ver toda essa floresta preservada, conservada, porque ela é a garantia do futuro dos povos da floresta. E não é só isso: nós estamos conscientes de que a Amazônia não pode ser um santuário intocável… basta que o governo leve a sério a proposta dos seringueiros e dos índios, que eu acredito que em poucos anos a Amazônia poderá se transformar numa região economicamente viável não só para nós, mas para o país e para toda a humanidade”.

Em 1989 um grupo de cientistas (Peters, Gentry e Mendelsohn) publicou resultados de pesquisa em uma área ribeirinha próxima a Iquitos, no Peru, demonstrando que a renda líquida total gerada pela exploração sustentada de produtos florestais não madeireiros era duas a três vezes maior que a gerada pela conversão da floresta. O estudo apontou que o problema não estava no valor real dos recursos das florestas tropicais, mas na falta de reconhecimento deste fato pelas políticas públicas.

Até a década de 60 os seringalistas conseguiam os subsídios do governo federal alegando que a ausência de proteção aos preços da borracha geraria uma grave crise social na Amazônia. Com essa argumentação, conseguiram manter o subsídio por décadas, sem que nada mudasse na vida dos seringueiros.

A proteção aos preços da borracha permaneceu por sessenta anos. Primeiro, em defesa dos seringalistas e, depois de 1967, para financiar o cultivo da borracha em território nacional. A partir dessa data, porém, nada vingou, até que em janeiro de 1999 a Assembleia Legislativa do Estado do Acre aprovou a Lei Chico Mendes estabelecendo um valor adicional R$ 0,70 por quilo da borracha.

Recentemente, o governo federal começou a discussão sobre a fixação do preço mínimo para produtos extrativistas, e o quilo do látex ficou em R$ 3,50. Outros produtos como castanha, é óleos, cocos e fibras devem entrar na lista. Tal qual Chico Mendes sonhou. A identidade territorial e a luta em defesa da floresta levaram os índios e os seringueiros à construção da Aliança dos Povos da Floresta. Essa aliança, trabalhada por Chico Mendes e Ailton Krenak, pôs fim a uma divergência histórica entre índios e seringueiros, instigada desde meados do século XIX pelos seringalistas e as grandes casas aviadoras do complexo de extração de
borracha.

Em toda sua vida Chico Mendes jamais deixou de se dedicar à construção de instrumentos de lutas sociais e políticas, tendo sido dirigente nacional da Central Única dos Trabalhadores e do Partido dos Trabalhadores, assim como do Conselho Nacional dos Seringueiros. O legado político e moral de Chico Mendes é enorme e pode ser visto tanto pelos intelectuais que reconhecem a originalidade de suas ideias e práticas políticas Tanto no Brasil como no mundo seu trabalho foi reconhecido: em 1987
recebeu, em Londres, o Prêmio Global 500 da ONU e, em Nova Iorque, a Medalha da Sociedade para Um Mundo Melhor.

E em 1988, o título de Cidadão Honorário da cidade do Rio de Janeiro concedido pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Sua enorme crença na capacidade humana de superar as contradições do mundo que vive se organizando social e politicamente foi capaz de inspirar todo um conjunto de ideias e práticas hoje em curso no mundo.

ANOTE AÍ:

Elson Martins é nascido no seringal Nova Olinda (AC) e estudou em Sena Madureira e Rio Branco. Viveu em Belém/PA, Macapá/AP e Belo Horizonte/MG, retornando à Amazônia em 1969 como membro da Aliança Libertadora Nacional (ALN).
A partir de 1975, foi correspondente no Acre do jornal O Estado de S.Paulo, onde testemunhou importantes acontecimentos históricos que culminaram na organização dos povos da floresta, colocando Chico Mendes na mídia nacional. 
Liderou a equipe que produziu o jornal “Varadouro”, uma das mais importantes experiências da imprensa alternativa do país.
O jornalista também fundou a Folha do Amapá, em Macapá, em uma época em que o Amapá ainda não possuía nenhuma faculdade de jornalismo.Em 2006, trabalhou como consultor e personagem da minissérie Amazônia, de Galvez a Chico Mendes, produzida e exibida pela TV Globo. No ano seguinte, ganhou o premio Chico Mendes de Meio Ambiente, na categoria Liderança Individual. Elson Martins, continua residindo no Acre. 
Fonte: Portal dos Jornalistas.
Foto: Arison Martins
Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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