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Emir Sader: Oposição ao governo ganha caráter político e de massas

Emir Sader: Oposição ao governo ganha caráter político e de massas

Por: Emir Sader

Por mais que os primeiros meses do novo governo tenham sido marcados por tropeços e trapalhadas, por conflitos dentro do próprio governo e por seus apoiadores, esses choques ocupavam o centro do cenário político. Disputas ideológicas entre distintas correntes da , disputas de espaço entre gente mais ou menos próxima do presidente, divergências sobre medidas a tomar, xingamentos entre componentes do governo e apoiadores. Avanços ou tropeços das iniciativas do governo, em meio a falta de coordenação e de divulgação das medidas.

Isso marcou os primeiros meses do novo governo que, por seus tropeços, perdeu a lua de mel, os chamados 100 dias, em que poderia impor iniciativas a todo vapor, valendo-se da euforia da vitoria e do desconcerto e desmoralização da oposição. Como se as contradições no campo da direita protagonizassem a vida politica no começo do novo governo. Já havia gente na que começava a se pronunciar preferindo o Mourão ao Bolsonaro ou os militares ao núcleo bolsonarista, como se estivéssemos condenados a nos pronunciar em função das contradições – sempre não antagônicas – no campo inimigo. Faltava que a esquerda, que as forcas democráticas, voltassem a ser as protagonistas na polarização contra o campo da direita no seu conjunto.


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As manifestações do 8 de março não tiveram a projeção que pudesse alterar esse quadro. De repente, iniciativas especialmente desastradas do governo, por seu conteúdo explosivo e por suas consequências desastrosas, além da sua duvidosa legalidade, ajudaram a gerar um clima de hostilidade ao governo, tanto ao nível de massas, quanto nas próprias instituições – Congresso, Judiciário – e até nos meios de comunicação.

O governo se comporta conforme as próprias criações mirabolantes da sua imaginação mórbida, gerando inimigos fictícios, contra os quais o governo reage. São moinhos de vento, indispensáveis para as posições arbitrárias e extremistas do governo, sem as quais ele não faria sentido.

Uma dessas criações é aquela da escola pública, desde os jardins de infância até as universidades, incluindo os professores, os estudantes, os trabalhos de pesquisa e o uso dos recursos públicos. Uma imagem de quem nunca pisou numa universidade, numa escola pública qualquer, de que não conhece os professores, nem os estudantes. De quem precisa diaboliza-los para tentar destruí-los, porque a pública representa o oposto do que o governo é: conhecimento, busca da verdade, pluralismo, pensamento crítico, democracia, liberdade de pensamento, além de odiar a comunidade de jovens que ela permite.

O governo decretou guerra às universidades públicas. Primeiro afirmou que ia cortar recursos de algumas universidades que teriam promovido atividades politicas. Diante da reação dessas e de outras universidades, no mesmo dia o ministro da educação disse que a medida de corte de 30% dos recursos seria extensiva a todas as universidades. Depois se soube que ela incluía também todos os outros níveis do sistema educacional, desmentindo a argumentação de que se remanejariam recursos das universidade para outros níveis.

A reação generalizada de condenação e de mobilização das universidades, revelando o trabalho que elas desenvolvem nao apenas no plano educacional internal, mas dos serviços que presta à comunidade e das pesquisas relevantes que desenvolve. (Até porque o presidente, com seu espantoso nível de desconhecimento da realidade, chegou a afirmar que as pesquisas se desenvolveria nas universidades privadas e nao nas públicas!) As mobilizações estudantis tampouco se fizeram sentir, foi marcada a data de 15 de maio para um greve nacional, à que aderiram entidades sindicais e outros movimentos sociais, assim como partidos da oposição.

A dimensão das manifestações – tanto na quantidade de participantes, quanto na sua extensão por todo o o , em várias centenas de cidades, – pode representar a abertura de uma nova etapa na luta política de oposição ao governo. Em primeiro lugar, pelo potencial de mobilização popular que a educação tem, agudizado pelas agressões – verbais e de recursos – do governo, em um tema que afeta, tanto pela sensibilidade, como pelos efeitos concretos na vida e nas expectativas de muitos milhões de pessoas.

Em segundo lugar, pela entrada em cheio na luta dos estudantes, tanto universitários, como secundaristas, arrastrando atrás de si a professores e muitos outros setores direta ou indiretamente vinculados a eles. Em terceiro lugar, porque os ataques à educação, assim como a liberação do porte de armas, são dois temas centrais para o governo. Temas cujas iniciativas do governo ja tem sido muito questionadas em sua legalidade, fazendo com que, unido à espetacular mobilização popular da greve educacional, propicie condições bastante fortes de que essas duas inciativas, pelo caráter simbólico também que tem para o governo, sejam derrotadas.

Para a oposição, é uma oportunidade de ouro para ocupar o centro do cenário político, polarizando contra o governo, politizando a oposição, com propostas alternativas, democráticas, de encarar os problemas da educação no Brasil. Com um potencial de mobilização permanente, pelo caráter combativo e criativo dos estudantes, pela importância dos professores na sociedade em geral e nas escolas em particular.

Ao mesmo tempo a oposição pode imprimir um caráter forte de disputa política, confrontando o que o governo atual tenta fazer, com o que os governos do PT fizeram. Desmascarando a insustentável acusação de que o governo atual teria recebido uma herança negativa, desqualificando o melhor mandato no plano educacional que o Brasil jamais teve. Resgatar o papel da educação pública e das universidades públicas em particular.

As mobilizações da greve educacional podem representar a entrada da luta democrática numa nova fase, uma fase de massas, de mobilização generalizada da juventude, com um caráter abertamente político, de enfrentamento com o governo e de contraposição de projetos antagônicos para a educação no Brasil.

O que coloca grande responsabilidade para as direções politicas da esquerda, que tem que elevar sua capacidade de condução política, de construção de blocos de força democrática com ampla participação de massas, assim como na criatividade de formas de luta adequadas às novas condições de luta deste ano no Brasil. O que pode permitir que este seja um ano de nova virada na luta politica no Brasil.

Fonte: https://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/393503/A-oposi%C3%A7%C3%A3o-ao-governo-ganha-car%C3%A1ter-pol%C3%ADtico-e-de-massas.htm

Foto interna: Brasil 247

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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