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Homens e rios se parecem

Homens e rios se parecem

“Bom, eles – homens e rios, – se encontraram na com boa dose de misticismo. Se conheceram, se apalparam e teceram vida nova num espaço selvagem e lúdico.  Por isso surgiu o Acre das águas e da floresta, por onde fervilham, por alguns séculos,  índios e carius,  negros e pardos, borracha e sucuris, botos e iaras…”

Por Elson Martins 

Um menino de Tarauacá de nome Leandro Tocantins se tornou escritor e historiador premiado. Lá pelos anos 30, cunhou a expressão “o rio comanda a vida” que definiu, poeticamente, a descoberta e ocupação do Acre. Também descreveu a saga dos homens e mulheres que nos idos de 1877 escaparam da seca do Nordeste para mergulhar no dilúvio amazônico.

Um outro menino, nascido na França do século 19, também se deixou inspirar pela relação com o rio de sua comunidade. Filho de sapateiro, Gaston Bachelard se tornou filósofo e surpreendeu ao escrever o livro A Água e os Sonhos só com poemas. Num dos textos ele afirma:

“Meu prazer é ainda acompanhar o riacho, caminhar ao longo das margens no sentido da água que corre, da água que leva a vida à povoação vizinha”…Segundo o cientista brasileiro Antônio Carlos Diegues, que o estudou, Bachelard “considerava a água doce a verdadeira água mítica”.

Bom, eles – homens e rios, – se encontraram na Amazônia com boa dose de misticismo. Se conheceram, se apalparam e teceram vida nova num espaço selvagem e lúdico.  Por isso surgiu o Acre das águas e da floresta, por onde fervilham, por alguns séculos,  índios e carius,  negros e pardos, borracha e sucuris, botos e iaras…

Quando criança, eu também tive a felicidade de viver às margens de um rio, o Iaco, e me envolver com seus mistérios. Sabia da morada de uma sucuri no poço fundo em frente da nossa casa; acreditava que em noites de festa, dançarinos  vestidos de branco saiam de  suas águas; e tinha medo que a aparecesse, até imaginava que o rio tinha um espírito.

Através dele, do rio, eu marcava as estações: porque no verão andava por suas praias desertas catando ovos de tracajá; e no inverno, quando me recolhia temeroso, queria ver de perto o que descia das cabeceiras: melancias, troncos e arvores inteiras arrastados pela correnteza.

O Iaco é um rio estreito e fundo, de barrancos altos, portanto perigoso! Mas o que acontecia de novo no seringal passava por ele. De cima e de baixo vinham lanchas e canoas transportando cargas e gente com novidades de uma civilização ficava distante e desconhecida. Dava pra ouvir com dois dias de antecipação o zumbido de um batelão se aproximando.

Um dia, fui entregue ao dono de uma embarcação para que me lavasse do seringal para a cidade (Sena Madureira) onde morava uma irmã casada. Foi uma experiência doída seguir com os olhos o movimento revoltoso e sem retorno das águas. As redemoinhos, o eco do motor nas margens, pessoas estranhas acenando, o que podia alegrar, mas assustava, porque eu estava sendo arrancado do meu pequeno e amado mundo.

Só com a maturidade entendi melhor o que dizem Tocantins e Bachelard; e passei a ver como aquelas estradas líquidas e sinuosas são fundamentais pro corpo e pra alma das pessoas que vivem na Amazônia. Abrem horizontes, permitem negócios, regam as várzeas, alimentam sonhos.

Ah! Mas ando desanimado porque vejo como as pessoas traem a amizade antiga com esses rios de água mítica. Esquecem das vantagens usufruídas e os maltratam: com lixo, exploração excessiva de seus recursos, destruição das matas ciliares… Ainda se zangam quando a natureza reage com enxurradas, quem sabe pedindo socorro, agonizando!

Até meados do século passado a relação dos acreanos com esses rios incluía troca, zelo, muito respeito entre ambos. Agora, homens e rios se mostram apartados, se estranham e se agridem mutuamente. Como se a sobrevivência de ambos não dependesse de uma reaproximação.

Fonte: almanacre

Elson Martins – Jornalista acreano – editor do Blog Almanacre. Membro do Conselho Editorial da


 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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