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Guarani-Kaiowá: Um povo em luta

: Um povo em luta

A 14 de junho, nas sagradas terras usurpadas dos Guarani-Kaiowá, no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, as balas assassinas do latifúndio tombaram por terra mais uma liderança indígena. Muito tendo ainda por fazer, o jovem Clodiodil de Souza, de vinte e poucos anos, quase um menino, foi-se embora deste .

No rastro da mesma pólvora aberta a tiro e trator contra uma comunidade indígena indefesa, pelo menos cinco outras pessoas ficaram feridas, incluindo uma de 12 anos. Caarapó ganhou as páginas do noticiário nacional e internacional. Com mais essa ação paramilitar, as milícias armadas do latifúndio fizeram de Caarapó terra arrasada aos olhos do mundo.

Ainda que por parca terra – são 3,5 hectares para seis mil – os Guarani-Kaiowá do tekohá (terra sagrada) Tey Jusu ocuparam uma das fazendas situadas no território tradicional de Toro Passo, na Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipegua, torrão originariamente seu e que, agora, também de direito, o lhe diz que de fato a terra é sua.

A 12 de maio, no mesmo dia do afastamento da presidenta Dilma Rousseff pelo golpe que levou ao poder o interino Michel Temer, o relatório de identificação da TI Dourados-Amambaipegua foi finalmente publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Não fosse a sangrenta gana do agrocrime, embora com décadas de atraso, um ínfimo quinhão de terras voltaria, pelas mãos do moroso Estado brasileiro, aos seus povos originários.

UMA LUTA QUE PARECE NÃO TER FIM

Não foi essa a primeira retomada de terras indígenas sob a chibata da violência na região de Caarapó. Em 2013, tombou o jovem Denilson Barbosa, do tekohá de Pindo Roky. Em 2005, assassinaram Dorvalino Rocha. Em 2015, foi assassinado o líder Simeão Vilhalva, no tekohá Nhenderú Marangatu.1

Apenas nos últimos anos, ocorreram pelos menos outros 25 ataques contra os indígenas no MS, em uma luta que não vem de agora, que causou a morte do grande líder Marçal Guarani em 1983, e que se estende desde quando, no início do século XX, os Guarani-Kaiowá foram confinados pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em diminutas reservas indígenas.

A pressão se tornou mais violenta a partir dos anos 1970, com a usurpação de terras e a expulsão sistemática dos indígenas de seus tekohás pelo . Aos Guarani-Kaiowá não sobrou outro caminho que não fosse o da luta e da resistência.

TERRITÓRIO DA PISTOLAGEM, TERRA DA IMPUNIDADE

Depois da África do Sul, o Brasil é o país com a maior concentração fundiária no mundo. O MS está entre os estados brasileiros que mais concentram terras. E, depois do Amazonas, é também o estado com maior contingente de população indígena.

E é no MS que ocorre a correlação mais desfavorável entre a população indígena existente e a extensão das terras indígenas oficialmente reconhecidas. Na imensa maioria dos casos, diz o Instituto Socioambiental (ISA), os indígenas vivem confinados em áreas diminutas, insuficientes para abrigar sua população, e cercados pelo agronegócio.

Os conflitos são inevitáveis. Ali, nas Terras Indígenas do Mato Grosso do Sul, comete-se injustiça contra índio o todo, mata-se índio à luz do dia, e nada ou quase nada passa.

No caso do ataque de 14 de junho, o Ministério da Justiça informou que orientou o caso para investigação e que enviou a Força Nacional à região. No dia 17, o Ministério Público informou ter aberto investigação contra 14 fazendeiros, sob segredo de justiça. Aos índios sobra história e falta esperança para crer que dessa vez algo será diferente.

DEMARCAR AS TERRAS INDÍGENAS, SAÍDA URGENTE E ÚNICA

Os conflitos no MS, e nas outras áreas brasileiras onde ainda habitam comunidades indígenas sob ataque do latifúndio, só terminarão com a demarcação e a desocupação das Terras Indígenas.

Para isso, torna-se fundamental tanto a agilização dos processos demarcatórios pela Funai quanto a votação no de Leis que permitam aos povos indígenas viverem em paz em suas terras originárias. Por exemplo, é urgente a aprovação pela Câmara dos Deputados da PEC 132/2015, que prevê indenização aos portadores de títulos legítimos que incidam sobre as terras a serem demarcadas, já aprovada por unanimidade pelo Senado.

Uma medida lógica, com ganho para todas as partes, portanto de fácil aprovação, poderia se pensar. Na prática, infelizmente não é assim.

Parlamentares da chamada bancada da bala tentam aprovar leis contrárias aos interesses indígenas, como a PEC 215 (que transfere a demarcação de terras para os estados) e, no âmbito das Comissões Parlamentares, insistem em CPIs como as do Cimi e da Funai/Incra, inviabilizando a paz, aprofundando o ódio e agravando as ações de violência.

Enquanto: as Terras Indígenas não forem demarcadas; a legislação anti-indígena não for barrada; o Estado não deixar de ser omisso e lento; e o Ministério da Justiça não tomar providências efetivas para punir os assassinos de lideranças indígenas, a dor não cessará para o -Kaiowá do Mato Grosso do Sul e para todos os povos originários da brasileira.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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