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Eu gostava de João Gilberto e não sabia

Eu gostava de João Gilberto e não sabia
 
 

Na minha juventude eu não entendia por que minhas referências tropicalistas (Caetano e Gil) e pós-tropicalistas (Novos Baianos) tinham como identidade larvar o trabalho de João Gilberto.Para essa minha atitude de “negação” de algo factual e material das raízes históricas de nossa música (a inquestionável importância de João Gilberto), muitíssimo contribuíram os livros e artigos de José Ramos Tinhorão, um grande pesquisador da história da música, com vasta obra autoral e que escreveu por anos em uma coluna no Jornal do Brasil.

 

J.R. Tinhorão, de formação marxista, tinha um ranço meio “bukharinista”. Explico: Nicolai Bukharin (dirigente e formulador teórico da Revolução Russa) abraçou um conceito historicamente equivocado: a arte proletária, como suposta negação da “arte burguesa” ou mesmo da “arte pela arte”. Isso não diminui em nada a obra de Tinhorão nem das contribuições teóricas de Bukharin, autor de Tratado de Materialismo Histórico e ABC do Comunismo (recomento ambos os autores).

Mas o fato é que não existe nem arte proletária, nem arte burguesa. Existe é arte como obra da humanidade, produto das diversas etapas da civilização humana e condicionada, é certo, pela divisão da sociedade em classes, com exploradores de um lado e explorados do outro. Sem essa base material, da vida real, como plataforma para transcender a lógica e a racionalidade, envolvendo profundamente os nossos sentimentos, a arte não é arte. Pode ser, ao contrario, pseudo-arte, agressão aos sentimentos humanos, à natureza e à vida.

Tinhorão, em síntese, dizia que a galera da bossa nova, da Zona Sul do Rio de Janeiro, não tinha criado nada de novo. Tinha trazido dos EUA as influencias jazzísticas, misturando-as ao samba da comunidade negra e proletária dos morros e subúrbios cariocas. Os bossanovistas, cujo DNA era João Gilberto com todas as letras, seriam tipo “plagiadores”. Enfim, tive essa influência sectária, evidentemente equivocada, mas que consegui superar e hoje assumo publicamente que fiz essa transição.

Tinhorão é um mestre e João Gilberto também. Tinhorão não está totalmente errado, mas a dimensão da obra de João Gilberto tem que ser reconhecida e exaltada. Taí minha autocritica, com atraso de algumas décadas.

6 de julho de 2019
Afonso Magalhaes

Foto de Capa: 24 horas News

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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