Eventos Climáticos: O papel das prefeituras
Levantamento aponta que a maior parte dos municípios brasileiros está em situação de vulnerabilidade para desastres do clima
Por Claudia Rocha/Fundação Perseu Abramo
Com o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, a preocupação em debater medidas de prevenção é maior — o que não significa dizer que já existe clareza sobre quais as responsabilidades diante do tema nas diferentes esferas de poder.
Dados compilados pela Agência Pública a partir da plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, apontam que uma em cada três cidades brasileiras apresentam risco de impacto alto ou muito alto para desastres como deslizamentos de terra, inundações, enxurradas e alagamentos. São 1.641 dos 5.570 municípios.
Além do número elevado, por si só, há o agravante de que a parcela representa o local de moradia de 50% da população do país. Na contabilização das cidades que apresentam a modalidade de riscos graves tanto para deslizamentos como para inundações, estão 907 municípios; capitais como Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, Natal, Maceió, Macapá e Manaus são alguns exemplos.
Com esse panorama, o papel da gestão municipal fica bastante evidenciado, principalmente, porque é na cidade que as pessoas vivem e os atendimentos de emergências ocorrem. Mas, o assunto ainda segue pouco explorado nas campanhas eleitorais deste ano, por exemplo.
Para Tiago Ciarallo, mestre em Políticas Públicas e Economia Internacional, que atua como assessor para Transformação Ecológica no Senado Federal, apenas vontade política não basta para que o tema ganhe destaque, é necessário também que os recursos cheguem aos municípios e que haja conhecimento técnico para lidar com o assunto, além do envolvimento da população neste contexto.
“Eu não consigo ver um prefeito sozinho com sua Câmara Municipal sendo um ator único nesse processo, a gente precisa construir aqui no Brasil uma ampla rede de participação com a sociedade civil”, opina Ciarallo.
O que cabe ao município
Apesar da importância da destinação de recursos, é possível pensar em uma gestão destinada às boas práticas adaptativas sobre mudanças climáticas. “É preciso que as medidas estejam alinhadas no Plano Diretor, isso precisa ser disputado, esse é um dos desafios. A gente pode falar ao mesmo tempo das construções das casas, das estruturas de vias quando o assunto são as enchentes, quais são as estruturas esponja que a gente vai colocar ou como a gente consegue evitar o espalhamento de áreas concretadas”, explica o assessor parlamentar.
Ações municipais como a canalização de rios, a falta de fiscalização sobre as ocupações em locais de risco e a redução das áreas verdes fazem parte do pacote sobre os cuidados que os prefeitos devem tomar. Além disso, a gestão da mobilidade urbana (com a possibilidade de transformar frotas de ônibus menos poluentes) e os cuidados com o direcionamento correto dos resíduos sólidos também estão na jurisdição das prefeituras.
A partir das desigualdades territoriais e sociais que existem dentro de uma cidade é possível observar bairros sendo afetados de maneiras diferentes em um mesmo contexto de chuvas. Tiago Ciarallo lembra do conceito de racismo ambiental e destaca o trabalho positivo da Secretaria Nacional de Periferias, do Ministério das Cidades, liderada por Guilherme Simões, na destinação de recursos relevantes com foco em gerenciar o problema nas áreas de encostas.
Resiliência e sistemas de alertas
O levantamento a partir dos dados da AdaptaBrasil trouxe a informação preocupante de que 66% do total de municípios do Brasil (3.679) possuem uma capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra e uma situação semelhante para enxurradas (3.739).
O que quer dizer que a maior parte das cidades brasileiras ainda não são resilientes às alterações climáticas. O conceito de resiliência climática significa a capacidade de indivíduos, comunidades e sistemas socioeconômicos e ambientais se adaptarem, recuperarem e transformarem perante as mudanças climáticas.
Outro ponto a ser debatido é a falta de preparo em casos de desastres, pois apenas 1.072 municípios (19%) possuem ferramentas como sistemas de alerta antecipado para avisar a população em caso de deslizamentos de terra; somente 1.178 cidades operam algum tipo alerta relacionado a inundações.
Pacto pela Transformação Ecológica
“Nós transformamos a natureza em dinheiro e agora temos que transformar dinheiro e, restauração e preservação da natureza se quisermos continuar vivendo”, aponta a ministra do Meio Ambiente. Marina Silva coordena os trabalhos do Plano Clima, que é um guia da política climática brasileira até 2035.
Segundo a pasta, ele terá dois pilares. O primeiro é a Estratégia Nacional de Mitigação, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o segundo é a Estratégia Nacional de Adaptação, para diminuir a vulnerabilidade de cidades e ambientes naturais às mudanças do clima e garantir melhores condições de o país enfrentar os eventos climáticos extremos. Os componentes de mitigação e adaptação também terão planos setoriais.
Na última quinta-feira (22), em cerimônia no Palácio do Planalto, os presidentes do Três Poderes assinaram o Pacto Pela Transformação Ecológica, um acordo para que Legislativo, Executivo e Judiciário atuem de forma integrada na promoção do desenvolvimento sustentável no país.
Tiago Ciarallo acompanhou os trabalhos no Senado e afirma ter como expectativa uma cooperação para que seja possível avançar. “Esperamos uma cooperação que se espalhe pelos três poderes, agora temos um ambiente de governança para pensarmos como a gente aterriza essas políticas fora das lógicas de grupos de poder”, diz o pesquisador em políticas públicas.
Fonte: Fundação Perseu Abramo