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Exu no Itan: A sabedoria como fundamento 

EXU NO ITAN: A SABEDORIA COMO FUNDAMENTO

Exu no Itan: A sabedoria como fundamento 

As religiões afro-sul-americanas mantêm-se vivas através de narrativas orais, os famosos itans. No dia de hoje, nada melhor do conhecer um pouco mais sobre o itan que fala de sabedoria e ancestralidade. 

Por Balogum Manu Yahya Òkòtó

Tem um itan que conta que Exu deu à Iemanjá, Oxum e Oiá a missão de venderem uma cabra por 20 búzios na feira. 10 búzios seriam pra Exu e os outros 10 pra elas.

Depois de venderem a cabra e darem os 10 búzios de Exu, começou o caô: não dá pra dividir 10 búzios igualmente pra 3 pessoas. Então uma delas ficaria com um a mais.

Iemanjá argumentou que o costume é que os mais velhos ficassem com a maior parte e que, portanto, ela deveria ficar com 4 búzios.

Oxum já meteu logo: “Duvido, meu amor. Nada a ver isso aí. O costume é que o mais novo fique com a maior parte. Eu que tenho que receber 4 búzios”

Iansã também não ficou por baixo e já lançou: “Vocês tão é de marola. Todo mundo sabe que nesses casos, o costume é que a maior parte fique com a do meio. E, além disso, eu sou a mulher do rei, meu amor. Os 4 búzios são meus”

E o caô rolou solto até que elas decidiram pedir a opinião de um dos vendedores da feira.

Chegou num feirante e falou: “Ô seu moço, quem é que tem que ficar com um búzio a mais?”

Ele respondeu: “De onde eu venho, é costume dar a maior parte pros mais velhos”

Iemanjá já tava comemorando, mas Oxum e Oiá não aceitaram.

Foram até outro feirante e dessa vez o homem disse que o costume era dar a maior parte pra mais nova. Oxum já tava bem bela e debochada cantando vitória, mas Iemanjá e Oiá não gostaram da resposta.

Caçaram outro feirante e esse último disse que o costume era dar a maior parte à do meio. Pra Iansã já tava tudo certo, mas Oxum e Iemanjá ficaram pistola.

O caô não se resolveu. As três já estavam quase era caindo na mão.

Exu tava vendo tudo de longe comendo sua pipoquinha e dando risada, mas resolveu interferir pro bagulho não ficar mais doido ainda.

Ele foi até as três e falou: “Me dá esse búzio aqui”.

Ele pegou o búzio, abriu um buraco no chão, enterrou o búzio e disse que ele pertencia aos antepassados e que sempre que recebemos algo de bom devemos oferecer àqueles que vieram antes de nós em agradecimento.

Além da lição sobre a importância dos nossos ancestrais, tem uma outra parada valiosíssima que esse itan ensina: voltar-se ao fundamento evita conflitos.

Na situação do itan dá pra gente dizer que não tinha ninguém errado. Iemanjá, Oxum e Oiá tinham argumentos válidos. E encontraram quem concordasse com elas.

Às vezes, a gente pode até ter razão em nossas atitudes e crenças, mas a grande questão é: sua razão serve a que propósito? Sua razão tá resolvendo o conflito ou só tá aumentado o conflito? Sua razão serve à coletividade ou serve ao seu próprio umbigo?

A cultura africana nos ensina que não existe certo e errado. Existe ação e reação. Então a lógica binária de estar certo ou errado não nos serve. O bagulho é a gente pensar em termos de: qual é a consequência do que eu estou prestes a fazer? Minha ação fortalece ou enfraquece a minha comunidade?

Pensa no tanto de tretas, desde aquelas brigas de família no final do churrasco até guerra, que seriam facilmente evitadas se as pessoas virassem essa chave aí.

Fonte: Medium/Balogum Manu Yahya Òkòtó

EXU NO ITAN: A SABEDORIA COMO FUNDAMENTO
Ilustração: Carlos Vinícius Bonifácio: Jornal da USP

 

 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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