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FAMÍLIA TEME POR VIDA DE AMBIENTALISTA PRESO

FAMÍLIA TEME POR VIDA DE AMBIENTALISTA PRESO

FAMÍLIA TEME POR VIDA DE AMBIENTALISTA PRESO NO AMAZONAS

Manaus (AM) – Há 14 dias, a família do agricultor e ambientalista Paulo Sérgio Costa de Araújo vive um misto de terror e insônia.

Por Leanderson Lima/Amazônia Real

Eles se sentem acuados e desamparados diante da detenção do chefe da família, que denunciou o fazendeiro Sidnei Zamora  por crime ambiental e de tortura na Comunidade Marielle Franco. O sofrimento começou no dia 28 de fevereiro, quando quatro agricultores registravam a retirada ilegal de madeira nas terras dentro da comunidade situada em área da União e destinadas à reforma agrária. No dia 5 de março, Paulo Sérgio foi preso sob acusação de organização criminosa em Lábrea, no sul do Amazonas.

“Estamos preocupados com a vida do meu pai. A gente não sabe mais o que pode acontecer. Ninguém olha para essa situação. Ninguém vê nada se movendo a favor da gente”, afirma o motorista de aplicativo, Alan Haluen de Araújo, de 26 anos, filho do agricultor e ambientalista. “Eu e toda minha família tememos pela vida dele. Todo mundo aqui (na comunidade Marielle Franco) está com a cabeça a mil pensando nisso. Toda hora estamos nessa preocupação”, afirma Araújo.

Paulo Sérgio Araújo, 51 anos, teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Danny Rodrigues Moraes, da 1ª Vara da Comarca de Lábrea, município a 853 quilômetros de Manaus. A prisão estava sendo cumprida na Delegacia da Polícia Civil de Boca do Acre, mas na madrugada do dia 11, o ambientalista foi transferido para a Unidade Prisional de Humaitá, também no sul do Amazonas, na divisa com Rondônia. A partir da transferência de cadeia, sua família começou a receber vários avisos de que ele está ameaçado de morte.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Porto Velho (RO), pediu a liberdade de  Paulo Sérgio Araújo ao Tribunal de Justiça do Amazonas, que ainda não julgou o pedido de relaxamento da prisão preventiva. “Sobretudo baseado na situação do Paulo, questão de saúde e fragilidade dos argumentos que fundamentaram a prisão”, disse à reportagem o advogado Afonso Chagas.

O motorista de aplicativo Alan Araújo, em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, afirma que a Justiça sequer informa corretamente sobre o vaivém processual em relação à prisão de seu pai. Sem avisos à família, o ambientalista foi transferido de Boca do Acre para Humaitá, a 871,2 quilômetros de distância. O filho soube disso ao perder a viagem, quando levava remédios para o pai, que é diabético e, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), sofre de doença de  Parkinson. 

De acordo com Manuel do Carmo, da CPT, o motivo da transferência seria uma manifestação que os moradores da Comunidade Marielle Franco fizeram contra a prisão de Paulo Sérgio. O juiz de Boca do Acre chegou a pedir a transferência para a capital Manaus, mas ele acabou sendo levado para Humaitá.

Segundo Alan Araújo, o filho mais novo do ambientalista tem cinco anos e é autista. “O meu irmãozinho adoeceu desde o dia que meu pai foi preso. Ele só fala no meu pai toda hora e como ele é uma criança especial, ele depende do meu pai pra tudo”, conta. “A gente queria ver se tem alguma coisa que a gente pudesse fazer, porque não é possível a justiça ser tão falha desse jeito”, desabafa.

Sobre o conflito agrário envolvendo a Comunidade Marielle Franco e a fazenda de Sidnei Zamora, o motorista afirma que as famílias aguardam uma solução do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). “A gente fica sem saber o que fazer. O Incra já foi lá, já fez o levantamento, já tem documentação dizendo que a área vai ser arrecadada, que pertence à União, que a área não é do fazendeiro, e eu não sei porque essas informações não estão sendo repassadas para a Justiça”. 

Denúncia de tortura

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Na imagem acima, Nacione, o quebrador de castanha esfaqueado por jagunços no último dia 28 de fevereiro (Foto: reprodução redes sociais).

O que pode ter motivado a prisão de Paulo Sérgio Araújo é a denúncia que ele fez de uma sessão de tortura contra quatro moradores da comunidade Marielle Franco, ocorrida no dia 28 de fevereiro. Em entrevista antes de ser preso para a Amazônia Real, o líder da comunidade contou que os agricultores estavam mapeando áreas de extração ilegal de madeira, quando foram surpreendidos, capturados por jagunços. Eles dizem ter sido torturados por aproximadamente 40 minutos, e que só não foram mortos porque funcionários da fazenda teriam presenciado as agressões.

Uma das vítimas, o quebrador de castanha identificado como Nacione, contou para a reportagem da Amazônia Real, que apanhou de terçado (facão) e que, por conta disso, teve uma perfuração na região da clavícula. Ele precisou de atendimento médico. “Quando a sessão de espancamento e tortura acabou, os jagunços ainda dispararam vários tiros enquanto os agricultores corriam”, contou Nacione.

O ambientalista acusou o fazendeiro Sidnei Zamora de ser o mandante das agressões. O dono da Fazenda Palotina negou qualquer participação.  “A acusação ao senhor Sidnei faz parte de uma narrativa vitimista a fim de criminalizá-lo perante a opinião pública, na medida em que no âmbito judicial, não obtiveram nenhuma vitória ou reconhecimento de legitimidade de seus atos. É a tentativa infértil de vender uma história romântica do pobre contra o ‘fazendeiro malvado’, que possui jagunços ao seu dispor”, afirmou o advogado Marcelo Feitosa Zamora.

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 Família Zamora, da esquerda pra direita, Sidnei Zomora, e Sidnei Sanches Zamora Filho (Foto: Reprodução Instagram Sidnei Sanches Zamora Filho).

O fazendeiro Sidnei Zamora reclama na Justiça a reintegração de posse das terras da Comunidade Mariele Franco, pois alega ser o proprietário. Ele, que tem um histórico de conflitos com as famílias de agricultores, nega a denúncia de tortura e desmatamento ilegal e grilagem.

O advogado Marcelo Feitosa Zamora disse que seu cliente é o “legítimo proprietário da Fazenda Palotina”. Disse que o fazendeiro tem sido vítima de injúria e difamação por parte da “organização criminosa” e por veículos de comunicação que classificou como “jornalecos” que têm reverberado mentiras.

Histórico de conflitos

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Fazendeiros e grileiros intimidam a população da Comunidade Marielle Franco em Lábrea(AM), em dezembro de 2023 (Foto: reprodução redes sociais).

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Em dezembro de 2023, os agricultores já haviam denunciado outras ameaças, supostamente a mando do mesmo fazendeiro, que se tornou um conhecido pecuarista do Acre. De acordo com a superintendência Incra do Amazonas, as terras da Comunidade Marielle Franco estão dentro da Gleba Novo Natal da União e a regularização fundiária está em processo de reconhecimento. O assentamento abriga aproximadamente 200 famílias e tem entre 18 mil e 20 mil hectares. 

Em entrevista à reportagem, o superintendente Denis da Silva Pereira que  o fazendeiro Sidnei Zamora ainda não apresentou o título da área da fazenda Palotina. “Através da cartografia do Incra, detectamos que não tem título nesta área, mas eles argumentam que sim. Então nós iniciamos o processo de arrecadação dessa terra, e aí nós fizemos o processo de consulta ao SPU da Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (Sect)”, disse.

Denis explicou que a secretaria não digitalizou os seus processos fundiários o que faz com que haja dificuldade no acesso a esses títulos que os supostos proprietários afirmam ter. “A gente não encontra processo, não encontra a materialidade, a historicidade, a cadeia dominial desses títulos. O que acontece? Os supostos proprietários dizem que estão num título do governo do Estado, por isso estão solicitando usucapião, e nós, do Incra, dizemos: ‘Vocês têm que provar que existe este título e se este título existir, tem que provar onde ele está localizado’. Porque você sabe que os títulos podem andar também, tem várias estratégias de grilagem”, alerta Denis, que ressalta que até o momento a Sect não passou a certidão de existência ou não do título, e onde ele está localizado.

“Estamos cobrando, caso a Sect comprove a existência de um título do governo do Estado, a gente vai excluir a área do título, ver onde ele está localizado e pensar na arrecadação da área que seja devoluta. Caso eles não apresentem nada que confirme a existência desse título, nós vamos simplesmente arrecadar, matricular,  e destinar a terra para a comunidade”, afirma Denis, que confirma que os supostos proprietários da fazenda têm recorrido à Justiça estadual para tentar expulsar os agricultores.

“Tivemos que enviar documentos para falar da incompetência, já que é uma área federal. Remetemos o processo para a Vara Federal, existe um processo judicial correndo”, afirma Denis Pereira.

Fonte: Amazônia Real  Capa: Paulo Sérgio Costa de Araújo, um dos líderes da comunidade Marielle Franco, em Lábrea (AM), está preso por acusação de organização criminosa após denunciar um ataque de jagunços. CPT pediu sua liberdade.  Paulo Sérgio Costa de Araújo (Foto: Mário Manzi / CPT-AC).

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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