Festivais Indígenas: Lindas vivências e grandes alegrias

Festivais : Momentos de alegria, vivências e ‘outras cositas mas’…

 Por Jairo Lima –

Iniciamos o mês da deusa Juno, numa semana bem interessante, onde pude ‘desopilar’ de muita coisa que vinha me atormentando. Forcei-me a reeducar minha alienação diária, filtrando bem mais minha leitura dos periódicos políticos e das notícias de rádio (via internet, é claro), a que me impunha religiosamente todas as manhãs, após uma boa e energizante caneca de café sem açúcar.

Claro que fiz isso em nome de minha sanidade e do equilíbrio mental necessário para a labuta diária que, para mim, devido sua natureza singular, vai além da questão meramente profissional.

Este mês junino (ou junina, já que é da deusa) é também o período que marca os festivais da ‘nação ayahuasqueira’ pelo Brasil e, claro, principalmente aqui no Acre, berço das igrejas do Santo Daime em suas duas principais doutrinas, bem como das demais comunidades espalhadas nesta terra de encantos.

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Os tão aguardados festivais indígenas também iniciam neste período, espalhando-se tais quais raios de sol por toda a nação indígena no Aquiry. Dos Huni Kuin até os Ashaninka, passando pelos Yawanawá e pelos Noke Koi, estas festividades marcam o ciclo comemorativo e místico que cada vez mais tomam conta de nossas florestas, principalmente no Juruá.

Já participei de muitas festividades nas doutrinas daimísticas, e de uma boa quantidade nas comunidades indígenas. Das festas na aldeia, guardo muitas recordações benfazejas de um tempo de contato e descobrimento, onde tudo ainda era muito local, exótico e bem menos planejado que hoje em dia.

Lembro-me de uma festança das boas, no dia de São Pedro, em 2005, na aldeia Boa Esperança, Terra Indígena do Rio Jordão, onde, após um dia de muito katxa nawa (festa tradicional), à noite, embalados por um radinho conectado a uma bateria de caminhão, um grande grupo de alegres Huni Kuin trajados com e alegria, e tingidos com as cores que a natureza os ensinou, pisoteavam ritmicamente o chão de terra batida de um grande shubuã (casa tradicional), ao som de um forró pé-de-serra, enquanto um seco rio Yuraiá (Jordão) corria placidamente, sem se preocupar com o destino final de suas águas.

O dia de São João também me traz lembranças distantes, de um entardecer mágico em 2001, na aldeia Mucuripe, Terra Indígena Praia do Carapanã, com uma grande fogueira emanando energias para os yuxin sagrados, e onde eu e um grupo de jovens conversávamos a respeito do tempo, olhando para a barrenta água do Tarayauna (Tarauacá), em sua procissão infindável em direção ao município de Tarauacá.

Jairo Fest 2

Não poderia esquecer um dia de Santo António, numa quente noite de 2002, na aldeia Dezoito Praias, Terra Indígena Igarapé do Caucho, onde após uma  festa, enquanto me deslocava para pernoite em outra aldeia, desequilibrei-me e recebi um imprevisto  batismo gelado nas águas mágicas do rio Muru.

A essas lembranças queridas outras tantas se juntam, com muita alegria, danças, rituais e ensinamentos junto com os Yawanawá e suas pinturas transcendentais, sacolejando-me de uma lado a outro com suas brincadeiras coletivas bastantes físicas; Ou, ainda, com o ‘Povo Japó’, Ashaninka, numa festa de piarẽtsy tão divertida, em que perdi a conta de quantas cuias havia bebido, percebendo o tanto que estava ébrio somente quando as pernas me faltaram.

Tudo muda, claro. E não necessariamente para pior, ao contrário, estes momentos mais singelos ainda existem, mas os momentos comemorativos de grande audiência hoje estão devidamente delimitados e organizados, no que se conhece popularmente como ‘festivais’. Alguns destes já com muitos anos de existência, outros com bem menos experiência, mas com igual importância.

São datas estabelecidas pelas comunidades, onde todos se preparam cuidando do espaço, ensaiando as danças e brincadeiras, preparando o estoque de medicinas para os rituais comemorativos. Muitos destes festivais já contam com parcerias turísticas, que propiciam acesso aos interessados através de ‘pacotes’ de viagem e fazem a divulgação do evento.

São nestes eventos onde futuras parcerias e apoio a projetos são definidos, laços entre as comunidades são fortalecidos e parceiros são conhecidos.

Eu acredito ser positiva toda esta expansão da cultura indígena, com estas festividades maiores, ou ainda, com as menores, como as chamadas ‘vivências’ ou, ainda, com os rituais provenientes de intercâmbios (Desde que, com pessoas sérias).

Claro que tudo ainda é muito novo para as comunidades, de maneira que alguns arranjos e ajustes precisam e devem ser feitos, pois, em alguns casos, vê-se claramente que alguns espertinhos dawa (não-índios) tentam se dar bem. Mas, pensando bem, parasitas dão em todo canto né? Até mesmo no mais belo e florido jardim.

Como citei acima os dawa, claro que não poderia deixar de citar sobre os maus costumes, ‘pangolices’ e zé-groselhices destes, certo? Também não poderia deixar de trazer alguns alertas importantes que venho repassando para os caciques e demais lideranças nas aldeias. Isso serve de atenção, também, para os parceiros que procuram estas comunidades de maneira séria e desprendida.

Sempre comparecem nas festas um grande número de visitantes, que aproveitam tudo em perfeita harmonia com a comunidade todas as atividades previstas, e sobre estes eu não teria o que alertar neste texto. Por isso apresento somente considerações sobre outros que parecem ser escolhidos a dedo por algum Fauno para testar a paciência e tolerância de todos.

É muito comum vermos aparecer, sozinhas ou como membro de um grupo organizado, algumas pessoas que, ao chegar à comunidade, pensam ter chegado em Nárnia, uma espécie de terra da fantasia onde tudo e todos são como seres extracorpóreos, etéreos ou ‘fofinhos’, como um smurf, por exemplo. Aí perdem as estribeiras.

Alguns ultrapassam a ‘etiqueta’ social e tratam os membros da comunidade sem se ater a distinção de idade e posição dos mesmos na aldeia, como se todos fossem membros de alguma comunidade hippie dos anos sessenta.

Outros, como já tive o desprazer de presenciar mais de uma vez, acham que estão num espaço totalmente ‘naturista’ (não confundir com natural) e, logo que chegam, após algum tempo, despem-se despudoradamente, mostrando a todos seus pelos encardidos e mal cuidados sob uma pele amarela e desprovida de vitaminas.

Aliado a estes últimos temos aqueles que acham tudo lindo, até mesmo os infernais piuns (espécie de borrachudo) que insistem em sugar todo o sangue do do indivíduo e, devido a isso, não se protegem das picadas destes e doutros , vindo em poucos dias, a desenvolver uma severa infecção de pele.

Com esses acima, somemos outras tantas figuras igualmente bizarras que, logicamente, são fruto dessa sociedade carente e sequelada de ocidental. Sim, por incrível que possa parecer, as coisas mais esquisitas e bizarras são sempre fruto de algum visitante ocidental (incluindo os brazucas).

Nunca vi, nem tomei conhecimento sobre alguma deselegância ou bizarrice feita por um oriental. Estes costumam vir também, mas comportam-se e harmonizam-se com o evento de uma maneira positiva e discreta.

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Tem ainda um outro grupo de parasitas que, vez ou outra, aproximam-se das comunidades nestes eventos, com intuito de, após estes, estreitar laços para negócios escusos e nebulosos. Trata-se dos tão afamados ‘atravessadores’, donos de algum site fuleiro ou dirigente de algum grupo neo-xamânico do mal.

Esses ‘coisas’ se apresentam, buscando logo fazer amizades com os caciques, falando muito sobre seus serviços, seguidores, compradores, etc. Buscando parcerias para intercâmbios e fornecimento de produtos (geralmente começam com e em seguida mudam para acesso às medicinas).

Esses sempre voltam após os festivais, levando bugigangas ou roupas velhas, no intuito de ganhar a confiança de todos e ter mais acesso à comunidade. Tiram várias fotos, principalmente nos rituais, com os velhos, ou usando adereços indígenas com os caciques, usando medicinas, manipulando ervas, etc. Essas imagens geralmente são usadas sem autorização da comunidade, em propagandas de auto-imagem destes figura ou sites, de como são chegadas das comunidades, respaldando e dando legitimidade para suas presepadas.

Venho acompanhando alguns destes parasitas, vendo como usam as imagens como propaganda e vendem produtos de origem bem duvidosa, ou totalmente modificados para segurar o cliente, fica a dica para o leitor: evite ‘cheirar’ rapé com misturas muito exóticas ok? Isso não é rapé não, entendido? Se informe antes de consumir certos produtos, pesquise sua origem, pois muitos são falsificações ou produtos alterados por estes parasitas.

Por fim, no arcabouço das bizarrices citadas até agora, não poderia deixar de fora um tipo bem singular os ‘maluco-beleza’ que, entre outras doideiras, descobrem ser a reencarnação de algum ser poderoso tipo, Jesus Cristo, ou algum ser dotado de extrema luz e poder.

Sempre tem alguns convidados que ficam para trás, permanecendo na comunidade ao término das festividades. Entre estes têm os parceiros que participaram da organização do evento, ou que tenham algo ainda a tratar com as lideranças locais (curas, acertos de intercâmbio, etc – entre estes temos os parasitas, lembrem-se).

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Mas, entre estes retardatários tem um tipinho que realmente é uma dádiva dos infernos. Trata-se daquele que começa a achar que é um ser encantado e não vai embora, fica de uma aldeia para outra importunando o juízo e abusando da hospitalidade dos txai que, como bons anfitriões, evitam o mal estar de ter que expulsar essas pessoas.

Infelizmente tem ficado um bom punhado destes por estas bandas, onde vez ou outra, recebo informações sobre as presepadas que andam fazendo. Um em particular está me chamando bastante a atenção, lá pelas bandas do Yuraiá.

Feito todo este aparte desagradável sobre o parasitismo, não poderia terminar o texto nessa energia travessada e, por isso, volto ao ponto de partida desse papo todo: os momentos inesquecíveis vividos nestas festas.

Por isso, finalizo indicando que, quem tem interesse em saber mais sobre estes festivais que procure se informar, conhecer um pouquinho e, caso a curiosidade vire ímpeto, que venha participar também de uma destas festas, faça um contato com um desses grupos de viagem (os sérios ok?) ou venha por conta. Vale a pena.

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ANOTE AÍ:

Jairo Xapuri

Jairo Lima, escritor, cronista e acreano, radicado em Cruzeiro do Sul, região do Juruá, publica seus textos semanalmente em www.cronicasindigenistas.blogstpot.com.br . Por gentileza do autor, suas crônicas são reproduzidas, também semanalmente, aqui neste nosso site da .

Nota do Autor: Faço breve nota aqui, sobre uns print de ‘zap zap’ que recebi de um contato meu, do Sul do país, com um interessante papo de um grupo, que utiliza em sua denominação uma palavra indígena, marcando uma ‘parada’ que, de início achei que era alguma espécie de transação de drogas mas, que, ao fim, mostrou ser a combinação para um ritual de , de “20 pilas”. No futuro falaremos um pouco sobre isso. Certamente, é um assunto interessante. Afinal, como um querido tutor me ensinou: “qualquer ritual ou menção ao sagrado em que se usem palavras de malandro, nada mais são que pura malandragem, e a estes o chiquerador é o destino certo, ao final da brincadeira”.‘ Armaria’ Deus me livre e guarde dessas presepadas.

Fotos: As imagens utilizadas nesta matéria foram selecionadas por Jairo Lima e são da autoria de: Imagem 1: Grupo Kayatibu, Jordão – Foto: Edilene Sales Huni Kuin; Imagem 2: Noke Koi – Foto: Shere Katukina; Imagem 3: Mariri Puyanawa – Foto: Maria Fernanda; Imagem 4: Festa MArubo – Foto: Kenampa Marubo; Imagem 5: Jovem Yawanawá durante Mariri Yawanawá Foto: Maria Fernanda.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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