Foi golpe, afinal
Eliara Santana
Numa velocidade de dar inveja a Rubinho Barrichello, o presidente do TSE e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, reconhece, afinal, que as tais “pedaladas fiscais” não foram mesmo o motivo do golpe, camuflado de impeachment, contra Dilma Rousseff em 2016.
Agora que Inês é morta, que a Lava Jato se desintegrou, que Sergio Moro derrete, que o Brasil está afundando mais que a cratera do metrô em São Paulo, o representante do Iluminismo no Brasil, o ministro que mais aparecia no JN para falar bem do funcionamento das instituições e da Lava Jato, finalmente reconhece que pedalada fiscal foi uma historinha idiota inventada pelos grupos de poder – com a mídia e o judiciário integrando o núcleo fortemente – para tirar o PT do governo, não apenas Dilma.
Essa fala inédita e tão sincera de Barroso – por favor, vamos ignorar que ele podia ter dito isso há cinco anos, o que certamente livraria o Brasil de ter Jair, o incomível –, foi dita num artigo para a revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, relatado hoje pela coluna de Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo. Segundo Rubinho, digo, Barroso, de modo tão perspicaz, “a justificativa formal foram as denominadas pedaladas fiscais – violação de normas orçamentárias –, embora o motivo real tenha sido a perda de sustentação política”.
Ora, ora, ora… quer dizer então que houve um motivo inventado, que mobilizou Congresso, Judiciário, Mídia, patos amarelos, Fiesp, e um motivo “real” que não podia ser dito à época? É esse o entendimento? Tudo o que se armou à época, toda a construção jurídico-midiática, todas as encenações, tudo foi feito tendo como pano de fundo para o “impeachment” um motivo que não podia ser declarado abertamente? E então, outro foi rapidamente inventado?
E desde quando “falta de sustentação política” é motivo aceitável e claro e justificável do ponto de vista jurídico para um processo de impeachment? Parece-me que falta de sustentação ou de apoio político se resolve nas eleições – mas isso ocorre em países democráticos, não em república de bananas.
Dolorosamente, eu pesquisei esse período enquanto as coisas aconteciam. Dolorosamente, na elaboração da tese, eu via as estratégias sendo construídas – encenações de corrupção, falácia de crise econômica, patos amarelos na avenida com cobertura de TVs e rádios, dobradinha mídia-judiciário, e nada sendo contestado.
Por isso, eu acho um escárnio essa constatação, assim, como se corriqueira fosse – ah, na verdade, não houve pedalada fiscal, houve falta de sustentação política.
Houve, na verdade, um golpe na democracia porque havia um interesse quase cristalino em limar o PT do poder – mas isso não podia ser dito.
E esse golpe nos legou a desgraça do governo Bolsonaro. O golpe nos legou um esgarçamento social alarmante. O golpe nos legou um grupo ligado ao que existe de pior ocupando o poder e dando as cartas. O golpe nos legou um presidente que nega vacina às crianças. O golpe nos tirou os recursos do pré-sal. O golpe nos legou mais de 600 mil mortos numa pandemia que segue sem controle. O golpe nos legou a volta ao mapa da fome.
Em cinco anos, o Brasil afundou, se tornou chacota no mundo, amarga uma crise econômica e social gigantesca.
Era golpe. Nós avisamos.