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Formosa: O Posto Meteorológico e a linda história de Valu, observador do clima formosense por mais de 40 anos

Formosa: O Posto Meteorológico e a linda de Valu, observador do clima formosense por mais de 40 anos

O sistema meteorológico indica que Formosa terá um com chuvas esparsas, alguns bons aguaceiros e possíveis trovoadas. Fará mais calor hoje, sexta-feira, 24 de fevereiro – 30 a 18 graus centígrados, com trovoadas em algumas zonas, do que  na terça-feira  – 24 a 18 graus,  com chuvas ocasionais e trovoadas. Um beleza de previsão, e para uma semana inteira!

O que pouca gente sabe é que a medição das condições meteorológicas não é coisa nova em Formosa, que o primeiro posto meteorológico da cidade foi instalado em 1912, como consequência da visita da Comissão Cruls (1982), que se encantou com clima de Formosa. O texto a seguir, de autoria do escritor formosense Alfredo A. Saad, publicado em sua obra póstuma “Álbum de Formosa”, de 2013, registra essa história e desvela o incrível perfil de Valu, “observador” do clima formosense, “talvez por mais de 40 anos”. Vale a pena conferir:

“Foi em plena que a Comissão Exploradora do Planalto Central, encarregada de demarcar o sítio do futuro Distrito Federal, chegou a Formosa: agosto de 1892. Encantados pela plêiade de sábios da Comissão Cruls, o de Formosa, como a população das vilas e cidades da região, pensavam que logo o progresso e a chegariam e a mudança da Capital seria imediata. Por isso, a Comissão foi recebida com festas.

Logo, a cidade descobriria que o trabalho da Comissão não traria resultados imediatos. Excetuando-se um exemplar do Relatório, publicado em 1895 e enviado à Câmara dos Vereadores, nenhum melhoramento foi notado, como nenhum sinal de mudança da nova capital do país foi percebido. A decepção logo tomou conta dos espíritos. Para consolo de muitos, os mapas do , depois do Relatório da Comissão, passaram a estampar, no meio do nada, no Planalto Central, um quadrado que demarcava o futuro Distrito Federal.

Em 1912, foi com alegria renovada que a cidade recebeu um pedido que sabidamente era consequência dos trabalhos da Comissão: o Dr. Alberto Lacourt, em nome do Ministério da Agricultura, pedia que lhe fosse concedida uma área de 10 mil metros quadrados que se destinariam à construção de um posto meteorológico. O clima de Formosa impressionara os membros da Comissão Cruls pelas suas características-padrão tropicais de altitude. E Formosa logo entrou para a categoria de clima tropical úmido.

O Conselho Municipal julgou o pedido procedente e, no dia do Natal, naquele ano, o de Lei foi aprovado.

Mais uma vez, os afoitos imaginaram que era o progresso chegando celeremente. Houve até movimentos na disputa pelo cargo de “observador do posto meteorológico”, por fim assumido por um dos prepostos dos grandões locais: José Jacintho de Almeida. que foi escolhido porque, além de pertencer ao grupo do poder, era relojoeiro e, por isso, apto a cuidar de mecanismos de precisão, como o barômetro aneroide lá instalado. Logo o indicado descobriu que o cargo não era de grande importância. E desdenhou aquele posto, que se mostrou indigno do seu valor como relojoeiro de méritos. E passou-o a Balduino Pinto de Castro. 

O “observador” indicado achou que a tarefa era por demais estafante e logo conseguiu um ajudante. O indicado foi… o seu irmão, Frederico Pinto de Castro. Não durou muito o trabalho de ajudante: por ser menor de idade, logo foi convocado para o serviço militar. E o titular do cargo teve de fazer as observações que ele preferia não fazer, mas não tinha um preposto a quem delegar poderes. 

Novamente movimentaram-se as forças políticas do município na disputa pelo cargo, que, finalmente, foi parar nas mãos de … Ângelo Pinto de Castro, irmão d ajudante que se despedia. O novo nomeado também não durou muito: logo pediu exoneração, alegando um impedimento qualquer. Na realidade, o nomeado descobrira que o cargo era de somenos importância e  que não se constituía na sinecura a que almejava. E ele deixou o cargo, antes tão cobiçado. Aí é que foi designado Valeriano Tavares, Valu dos Padres.  Finalmente, descobriram um homem humilde e sério, disposto a executar fielmente a tarefa a que se obrigava um observador.

O papel do “observador” era fazer, três vezes por dia, todos os dias, anotações acerca da pressão barométrica da temperatura e a velocidade e a direção dos ventos dominantes. Imediatamente, as informações colhidas eram levadas à agência de telégrafo e, gozando da mais alta prioridade, enviadas ao Serviço Nacional de Meteorologia do Ministério da Agricultura, no Rio de Janeiro. 

Valu acumulava as funções de sacristão com as de “observador” e era com orgulho e ostentação que ele chegava à agência dos correios onde estava o posto do telégrafo para gritar: “Agri-meteor! Agriido!” e ser imediatamente atendido. Dia após dia, três vezes ao dia, anos e anos – talvez mais de 40 anos – Valu cumpriu a tarefa, sem uma só falta, um só atraso.

O que encantara a Comissão Cruls no clima de Formosa foram a altitude da cidade, a baixíssima umidade do ar e a estabilidade da temperatura, que pouco oscilava no período de cada estação do ano. Aquele clima seco e frio, no meio do ano, e quente e chuvoso no verão,  regular e ameno, fez com que a Comissão o considerasse “clima-padrão”, característico das zonas altas do centro do Brasil. Hoje, a categorização do clima da cidade de tropical úmido já não seria aceita pacificamente.

Até os anos cinquenta, esse foi o clima da região. Com o aumento da migração de agricultores do sul para o Planalto, após o advento de Brasília, e, em consequência do intenso e da drenagem dos alagados, que se seguiram, houve uma sutil mas constante alteração climática que tornou a região mais seca e com médias de temperaturas, no verão, acima de 25 graus registrados à época. Hoje, o denominado clima padrão já não mais existe e Valu se espantaria com a mudança.

Embora cria dos dominicanos, e por isso, sempre envolvido com as coisas da igreja, Valu, além de católico fiel e praticante, era também um místico que acreditava em assombrações, em almas do outro mundo, em fantasmas. Devido a essa característica singular, Valu estava sempre ligado às orações e dependente da proteção dos santos. Ele andava pela rua com seu caderno de capa dura para anotações meteorológicas embaixo de um braço e um rosário nas mãos.

Essa crença no poder dos santos e na proteção que deles recebia é que permitia a Valu sair de casa, antes do amanhecer, mesmo nos meses frios do meio do ano. Rosário entre os dedos, manhãs escuras e gélidas de Formosa, lá ia Valu, todos os dias, fazer suas anotações. 

Sempre vestido, segundo o figurino da época, de terno de brim cáqui com o paletó curto, rezando contritamente, Valu andava depressa e sem olhar para os lado, pois alguma alma penada bem poderia estar por ali, à espreita. E se dirigia junto ao cerrado ermo, ao isolamento do posto meteorológico, que, hoje, está imerso no casario do grande bairro que se formou no setor aeroporto. Naquele tempo, o posto parecia estar distante da cidade, isolados no cerrado onde existia pequizeiros, baruzeiros, altas cagaiteiras e todas aquelas árvores típicas do cerradão.

Certa manhã, Valu vinha apressado (para não desafiar as almas) e cabisbaixo ( para não ver o que poderia estar ao redor e não deveria ser visto) quando, passando sob um enorme pequizeiro, onde já se acostumara a passar, sentiu estranha pancada na cabeça. Ele batera em alguma coisa que, antes, não estava ali, pois ele conhecia todos os obstáculos, todos os desvãos, todos os buracos daquele recanto. Algo novo no ar.

De soslaio, temeroso, na expectativa de ser assaltando por um animal, receoso de estar sendo tocado por uma alma perdida, Valu abaixou mais ainda a cabeça e apenas torceu o pescoço para poder voltar os olhos e descobrir o que lhe ameaçara a passagem. E notou a silhueta de uma botina. Valu chocara-se com um par de botinas que calçavam pés presos a pernas que pendiam de um corpo. Um corpo que balançava no ar, movido pelo choque. O corpo de um enforcado!

Desesperado, aterrorizado, dominado por um pavor que jamais sentira, nem nos recantos mais sombrios da igreja, Valu demorou alguns longos segundos, até que conseguisse iniciar uma desabada carreira rumo à praça da matriz. Aos gritos, correndo e agitando os braços, como se quisesse afastar algo que lhe tolhia os movimentos, Valu despertou a cidade. Foi um longo tempo, até que conseguisse balbuciara algo sobre um enforcado, um homem morto, sem que ninguém soubesse, sem que o sino da igreja tivesse dobrado. 

Desde esse dia, Valu ameaçou jamais voltar a ir sozinho ao posto meteorológico. E, pessoalmente, abriu um aceiro no cerrado, em volta do posto, derrubando, criteriosamente, cada árvore que ultrapassasse a altura de uma criança. A partir daquele dia, o observatório deixou de estar no mato para passar a ser visível de longe, desde a casa do observador meteorológico, por exemplo. Em vola, nem uma árvore que pudesse ser utilizada por um louco que desejasse se matar por enforcamento.

ANOTE AÍ:

O texto acima consiste no capítulo 17 do “Álbum de Formosa – um ensaio da história de mentalidades”, do escritor formosense Alfredo A. Saad, obra póstuma publicada pela família do escritor em 2013. Não foram encontradas fotos do posto meteorológico antigo, nem de Valu, ao longo do preparo desta matéria. Caso alguém tenha fotos ou documentos antigos sobre esse ou qualquer outro tema de Formosa, por favor entre em contato conosco pelo contato@xapuri.info para que possamos fazer a publicação com os devidos créditos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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