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Fospa denuncia o ecocídio em curso na Amazônia

Fospa denuncia o ecocídio em curso na Amazônia

Em sua décima edição e sediado em Belém do Pará, o  Fórum Social Panamazônico teve início na tarde de quinta-feira (28), durante uma marcha no centro histórico da cidade

Por Cícero Pedrosa Neto/via Amazônia Real

Belém (PA) – Uma marcha iniciada na “escadinha do cais do porto”, no centro histórico de Belém, no fim da tarde de quinta-feira (28), marcou a abertura oficial do Fórum Social Panamazônico (Fospa). , ribeirinhos, membros de movimentos sociais e de diversos povos amazônicos do Brasil, Peru, Equador, da Bolívia, Colômbia e Venezuela estiveram presentes. O evento vai até domingo (31), com a maioria das programações sediadas na Universidade Federal do Pará (UFPA), no bairro do Guamá. A Fospa, em sua 10ª edição, resgata a mensagem da resistência.

“É preciso escancarar para o mundo a situação de emergência humanitária e climática da Amazônia, que já vive um genocídio de seus povos e um ecocídio generalizado”, resume Iremar Ferreira, um dos fundadores e secretário do Fospa. O evento ocorre a cada dois anos, sempre antes do Fórum Social Mundial. É quando “novas formas de se organizar e de construir resistências” são debatidas. 

Há uma dupla simbologia deste evento em Belém. O Fospa foi lançado na capital paraense 20 anos atrás. E não foi por acaso. Foi no Pará que eclodiu a Cabanagem (1835-1840), um dos maiores movimentos populares da história do Brasil. O lema desta edição é “Belém: capital da resistência, trincheira dos povos”, que remete ao passado, mas também ao presente de um Brasil governado por Jair Bolsonaro.

“A Amazônia é um dos lugares que mais tem sofrido com os impactos da ‘antipolítica’ ambiental do governo Bolsonaro”, resume Auricélia Arapium, coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns. É ela quem classifica o evento como um momento de “reencontro”, diante das incertezas e ataques constantes sofridos pelos povos indígenas no Brasil e, especialmente, no Tapajós, vitimado pelos garimpos ilegais e pela logística de grãos. 

“A gente está tendo a oportunidade de reencontrar presencialmente parentes de diferentes povos, e aqui a gente pretende montar estruturas de combate e defesa de nossos territórios contra a devastação dos brancos”, afirma a líder Arapium. Exemplos não faltam, diz ela, como a tramitação do Projeto de Lei 490, que determina o “marco temporal” para a homologação de no Brasil. 

Mydjre Mekrãgnotire Kayapó, liderança da Terra Indígena Baú, do povo Kayapó, no Pará, disse à Amazônia Real estar preocupado com o avanço do garimpo em seu território e que pretende encontrar no Fospa, indígenas de outras etnias que estejam vivendo o mesmo drama enfrentado por ele em seu território. “Eu quero poder trocar experiências com os parentes de outros povos. O único caminho que sobra pra nós é lutar e ficar unido e foi pra isso que eu vim”, disse.

O Fospa, que nesta edição tem como tema central “o esperançar das Amazônias”, se reuniu da última vez de forma remota, por conta da pandemia de Covid-19,  e teve como sede a cidade de Mocoa, na Colômbia. 

Para Iremar Ferreira, o Fospa é o momento ideal para “refletirmos de que maneira esses assuntos chegam nas comunidades, nos territórios. O nosso foco é também pensar em alternativas viáveis para a das comunidades e dos povos das Amazônias”. Ele conta que durante os intervalos entre uma edição e outra do evento, o trabalho da organização se direciona em aplicar projetos que apoiem as comunidades amazônicas.

“O Fospa este ano tem um caráter de retomada das ruas pelos movimentos sociais, indígenas, feministas, e de populações tradicionais como um todo. Ele acontece, agora, em um momento crucial da nossa e que bom que ele está acontecendo em Belém, palco da Cabanagem”, declara Marquinho Mota, coordenador de projetos do Fórum da Amazônia Oriental (Faor).

Frente Parlamentar Global

Na tarde desta quinta-feira (28), foi lançada a Frente Parlamentar Global Pelos Direitos da Natureza. A assinatura ocorreu ao longo da programação de abertura do Fospa, com a presença de parlamentares dos países que compõem a chamada Panamazônia. O embrião da frente nasceu durante a COP22, em 2016, ao se constara a necessidade de uma cooperação global para a proteção da natureza e contra as formas de violências contra os povos tradicionais, originários, camponeses e campesinos, com foco na Amazônia e demais biomas da . A frente é integrada por deputadas e deputados, vereadoras e vereadores e membros do executivo dos países signatários da proposta. 

“Tudo começou durante a COP22, quando a gente discutia a denúncia contra o projeto da mineradora Belo Sun, que quer se instalar no rio Xingu para a exploração de ouro. Foi quando eu me dei conta da desarticulação entre os parlamentos mundiais, especialmente da América Latina”, destaca a deputada estadual Marinor Brito (PSol-PA), mentora da proposta de criação da frente global. 

A declaração da frente parlamentar criada defende que “a construção de uma comunidade ecocêntrica da Terra implica processos de transformação das formas de pensar, sentir e agir do Estado e da sociedade como um todo”. A ideia de “comunidade ecocêntrica” faz referência a uma forma de organização social que tenha a natureza ou meio ambiente como tema central a orientar a vida em comunidade.

A deputada Marinor Brito criticou a chamada “” – propagandeada amplamente por setores governamentais e empresariais como modelo alternativo e sustentável de desenvolvimento – definindo-a como “falsa proteção ao meio ambiente”. 

O documento assinado pelos parlamentares presentes, e também por membros de movimentos sociais que apoiam a iniciativa, propõe mudar as formas de lidar com a natureza dentro do , sugerindo um tipo de democracia que também considere os direitos da natureza como prioridade. (Leia aqui a íntegra do documento)

Além da deputada Marinor Brito, a mesa do evento foi composta por Marcelino Galo (deputado estadual da Bahia), Giovani Krenak (vereador de Resplendor, Minas Gerais), Henny Freitas (vereadora de Alto Paraíso do Goiás), Leonardo Grosso (deputado nacional argentino), Vanessa Hoppe (ecoconstituinte do Chile), Karine Rosa de Oliveira (vereadora de Serro, Minas Gerais). A iniciativa parlamentar conta com o apoio da Aliança Global pelos Direitos da Natureza (Garn).

“A gente precisa fazer um movimento contrário, para saber onde a gente se perdeu enquanto humanidade. No nosso caso lá, o rio não vai voltar a ter vida, o rio tá morto. A gente precisa caminhar e criar mecanismos concretos e eles precisam funcionar para mudar o que está aí”, declarou o vereador Giovani Krenak (PSD-MG), se referindo ao crime ambiental das mineradoras Vale e BHP, em Mariana (MG), que matou 19 pessoas, impactou o território indígena do povo Krenak e dezenas de cidades mineiras e do Espírito Santo.

Para Vanessa Hoppe, ex-parlamentar chilena e ex-membra do movimento que ficou conhecido como “ecoconstituyentes” – que defende um sistema constitucional vinculado à proteção da natureza e da biodiversidade –, afirmou que é preciso se pensar em formas de governos que tenham “a natureza no centro” dos debates e decisões. Ela defendeu ainda a necessidade dos países investirem em ambiental que promova a formação do que ela chamou de “consciência ecológica”.

Mesmo sem legitimidade jurídica para arbitrar, de maneira isolada, sobre as decisões de seus países, a frente parlamentar promete agir de modo a garantir os direitos da natureza e dos povos que a protegem em seus mandatos políticos. 

Tribunal Internacional lança relatório

A edição do Fospa deste ano trouxe a Belém personalidades como o intelectual indígena Ailton Krenak. Ele e juízes internacionais que fazem parte do “Tribunal Internacional de Direitos da Natureza” lançam nesta sexta-feira (29) um relatório parcial sobre violações de direitos humanos e contra a natureza na Amazônia. Os dados do relatório foram coletados pela delegação de juízes do Brasil,  África do Sul, Equador, Peru e Estados Unidos, durante visitas que ocorreram nas cidades de Altamira, Anapu, Marabá, Parauapebas e Canaã dos Carajás, todas com um histórico violências físicas e simbólicas causadas por hidrelétricas, conflitos agrários, pela mineração e pelo agronegócio.

Na tarde desta sexta, a partir das 15 horas, ocorrerá uma homenagem aos mártires da Amazônia, no Centro Benedito Nunes, da UFPA. Ao longo da manhã e da tarde, haverá discussões na Casa de Saberes e Sentires, encerrando, às 16h30, com o lançamento da Marcha das Margaridas. Também haverá, até sábado (30), atividades autogestionadas, como cirandas, talk shows, saraus, debates e rodas de conversa sobre a mercantilização da Amazônia, garimpo, mercado de carbono, megaempreendimentos, racismo religioso, advocacy, governança ambiental, direito à comunicação, ativismo ambiental, soberania alimentar, , sociobioeconomia e autogovernos, o combate à desinformação e ao discurso do ódio. No domingo, estão previstas duas atividades apenas: uma plenária das mulheres, às 8h30, e um ato contra o fascismo, autoritarismo e o ecocídio, às 9 horas. Veja a programação completa aqui.

 

https://xapuri.info/barcarena-1-ano-de-vidas-em-suspenso-e-violacoes-de-direitos/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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