“Fragmentos & Vestígios”, com Jade Marra

“Fragmentos & Vestígios”, com Jade Marra

“Fragmentos & Vestígios”, com Jade Marra

Nossa entrevistada da semana é a artista plástica e visual Jade Marra. Nascida em Belo Horizonte, 1992, hoje reside na cidade de , e é representada pela Galeria Celma Albuquerque…

Por Amanda Olbel / @planetafoda

Nossa entrevistada da semana é a artista plástica e visual Jade Marra. Nascida em Belo Horizonte, 1992, hoje reside na cidade de São Paulo, e é representada pela Galeria Celma Albuquerque. Seu consiste mais intensamente na linguagem pictórica da pintura, contudo também tem passado pelo universo das Instalações e, através de cortes e gestos, a artista cria cenas que evidenciam o cotidiano, a intimidade e a afetividade. Jade participa de mais uma seção #ArtistaFODA, desenvolvida pela equipe de criação do FODA – Fora do Armário, a frente de ação e mobilização LGBTQIAP+ da Mídia NINJA.

Jade Marra nos conta que não faz parte do estrato de pessoas com caso clássico de artista que desenha desde criança, e apenas deu seguimento a esse desejo pulsante durante a adulta. Tendo cursado ainda uma faculdade de Arquitetura, se sentindo deslocada, percebeu que lhe faltava uma ferramenta de expressão, por conta de uma urgência em colocar para fora seus sentimentos, pensamentos, desejos. A partir do momento em que migrou para o curso de Artes da Escola Guignard, se deparou com uma afinidade com as possibilidades do campo da pintura, telas, tintas e afins, e foi então que aprendeu de fato a pintar.

“Sou uma pessoa que desde muito jovem sentia uma força muito grande de comunicar algo que eu não sabia muito bem o que era, nem de que maneira fazer isso. Mas sentia que precisava tirar alguma coisa de mim e colocar no mundo, e depois que me mudei para a escola de arte e me aproximei da pintura, foi uma linguagem que senti que teria mais afinidade e possibilidade de expressar as coisas que eu queria. E é sobre isso, sentir que essa linguagem te contempla, e a totalidade de expressão naquilo”.

Foto: arquivo Jade Marra

 

No início de sua jornada dentro do curso da Guignard, a prática da experimentação era o mais essencial no seu processo de compreender o discurso por detrás do trabalho, com suas noções de poética. E a artista nos revela que durante boa parte desse trajeto, existiu um momento em que não se sabia muito bem o que fazia parte da pesquisa, tampouco de que maneira ela se estruturava. Entretanto, a partir do momento em que se comprometeu com a repetição do fazer, e a dedicação dentro do espaço do ateliê, foi quando surgiu essa luz de compreensão, decorrente da prática constante.

Jade obteve também uma oportunidade transformadora em sua vida a partir de um edital da Ciência sem Fronteiras, durante o governo Dilma. Conseguiu uma bolsa de estudos para cursar arte na Alemanha, e a partir desse acontecimento, pôde se dedicar completamente ao ofício, já que na época ainda estava na Arquitetura, paralelamente.

“Eu tinha muitas urgências políticas que queria colocar em pauta no meu trabalho e encaixar isso com minha pintura de um jeito que fluísse e tornasse o trabalho consistente. E fiquei alguns meses tentando fazer uma pintura enorme que dissesse várias dessas coisas, sem muito êxito. Até que um dia eu estava no ateliê à noite, e nesse período tinha um relacionamento com minha ex-companheira que morava no enquanto eu estava na Alemanha. Conversávamos no Skype todos os dias, eu estava muita apaixonada, tinha uma relação de muito amor, e ao longo dessas nossas conversas tirei diversos prints de imagens da tela… e uma delas era uma imagem muito bonita, com luz e cores muito bonitas, e pensei em pintar”.

Arte: Jade Marra

 

E então espalhou um papel, com vários de seus materiais e tintas no chão do ateliê, e usando a própria mão deu início à materialização plástica daquela imagem, utilizando os dedos como instrumento, no lugar do pincel. Uma pintura que traz essa questão do toque e do gesto da mão, criando a imagem do de uma pessoa que estava fora de seu alcance, “fora da minha vontade do meu desejo de ser tocada, que era uma coisa impossível”, então o dedo toma esse lugar do pincel na urgência do toque e a pintura como matéria, carrega fragmentos e vestígios das mãos e do corpo no papel, com texturas de desejo e impressões digitais: das duas. E, de alguma forma, essa distância entre elas é encurtada, quase como se houvesse tido, por um breve momento, a presença irremediável de quem ela sentia falta.

A arte de fato nos proporciona esses momentos de catarse intensos, que exercem função de preencher ausências e lacunas existências pessoais e coletivas. Poderíamos imaginar que do outro lado do namoro, ela deva ter se sentido presenteada com esse toque. Um tanto transcendente, mas real de qualquer forma.

Jade diz ter sido o primeiro trabalho autoral em que sentiu consistência, transmitindo o conceito que havia proposto para si mesma em relação à obra. O que lhe rendeu uma série de pinturas intitulada (justamente) de “Toque”, possibilitando sua primeira exposição individual, pela Galeria COPASA de Belo Horizonte, em 2018, com imagens dessas conversas com a ex parceira, feitas todas sem uso dos pincéis.

Arte: Jade Marra

 

Após retornar da Alemanha, perdeu um tanto o interesse em realizar seus trabalhos com as mãos, mas que ainda havia o desejo de continuar representando sua relação, pelo fato de serem sentimentos que tomavam conta de seu foco pessoal e, consequentemente, seu fazer artístico. De forma que dar continuidade às obras, se tornou parte do relacionamento, como uma demonstração de seu afeto e participação intensa dentro do casal, feitos em telas cada vez maiores.

Em certo momento a companheira de Jade recebe a oportunidade de viajar a estudo, e mais uma vez se veem no movimento de ausência de uma das partes. Deixando aqui apenas vestígios de um corte de cabelo, a artista se apropria dessa partida da namorada, para mais uma vez transformar em um objeto de arte, com três trabalhos distintos, mas que se atravessam.

Em um vídeo em preto e branco, filmado de cima, o cabelo é posicionado no centro da imagem. Mãos da parceira entram em cena para trançar o cabelo, em um movimento de cuidado para entregar à Jade. Elas saem de cena e as mãos da artista as substituem para destrançar e desfazer o trabalho que havia sido feito e, ao finalizar o ato, a filmagem entra em looping, com uma mão anulando o movimento da outra. A diferença é bem sutil, por serem mãos muito parecidas sendo quase imperceptível o fato de serem duas pessoas diferentes.

Arte: Jade Marra

 

O segundo trabalho que é feito a partir do cabelo é um pincel que utiliza de toda a sua  extensão, sendo conectado em duas partes por dois cabos de pincéis diferentes, sendo intitulado de “Inútil”.

Já o terceiro se chama “Instrumento”, usado para executar uma pintura que traz a imagem da namorada na cama, e ao seu lado um travesseiro amarrotado, dando a entender que havia um corpo ali minutos antes do registro. A ideia de ausência é mais uma vez representada sobre a cama em contraste com a presença da parceira, que já havia se mudado quando a pintura estava sendo construída, tendo ainda o cabelo dela para fazer a imagem.

Mesmo após a partida, Jade entendeu que seu trabalho continuaria passado por esse lugar da intimidade e afetividade, permanecendo com imagens que contivessem esse conteúdo como fonte de criação e inspiração, com as pessoas que estava se relacionado.

Arte: Jade Marra

 

“Surgiu muito essa pergunta sobre eu enxergar minhas pinturas como um trabalho político ou não, e entendo super. Ao contrário do que eu queria fazer no início, de trazer pautas politicas muito em evidência, hoje entendo que eu colocar minhas relações afetivas no meu trabalho de forma muito verdadeira, eu estou trazendo o afeto lésbico, que tem sido historicamente inviabilizado de foco, de pauta, e isso por si só é extremamente político. Então continuei trazendo isso, por existir um sentimento de urgência em mim em tratar desses assuntos”

Atualmente suas imagens de referência partem muito de um lugar de capturar momentos, e diz gostar de andar com uma câmera por perto, para fotografá-los. Algumas vezes são espontâneos, noutras partem de textos que ela mesma escreve, e lhe remetem a uma cena que gostaria de pintar, que nesse caso é montada, sempre envolvendo pessoas próximas de muita intimidade, às quais ela recorre.

Sua ultimas obras também tem tido como recurso estético e discursivo a omissão de faces, mais presente em sua última exposição chamada de “Eu te anonimato”. Diz ter sido algo especialmente pensado para essa série, após uma troca de mensagens em que o corretor automático modificou a expressão “Eu te amo”, para “Eu te anonimato”. Logo, utilizou desta falha para fins artísticos, o que calhou com um período de sua vida em que seu relacionamento afetivo com outra não era público para todos os colegas e familiares, portanto, era um romance anônimo.

Arte: Jade Marra

Além disso, a figura de copos de vidro tem sido muito recorrente e curiosa, uma espécie de subliminaridade nos retratos. Jade explica que eles são representados como mediadores de uma relação entre duas pessoas, servindo como receptáculo de um corpo líquido, pela sua forma côncava, e que a pessoa, inevitavelmente, interioriza para dentro dela própria. Muito em conta também por estar presente nas suas imagens cotidianas, o objeto acabou por ser eleito para representar esse compartilhar das relações, como por exemplo quando o casal utiliza o mesmo copo.

“Meu trabalho me ajudou a “sair do armário”, então sou muito grata e feliz da forma que me coloquei do mundo a partir das minhas pinturas e como elas foram aceitas. A resposta das pessoas sempre foi positiva, e de admiração, talvez por ter chegado de uma forma tão sensível para as pessoas, de um lugar de amor…que não houve espaço para nada negativo, ”

Jade Marra, é Bacharel em Artes Plásticas pela Escola Guignard com habilitação em pintura. Dentre as exposições das quais participou, destaca-se suas individuais “Te Anonimato”, (Galeria Celma Albuquerque, BH, 2021) “Toque” (Galeria COPASA, BH, 2018) e as coletivas “Escola Guignard 75 anos”, (Galeria AM, BH, 2019), “Ocupação Cisco, Lasca, Triz” (Galeria DOTart, BH, 2018) e “Sangria” (Galeria QuartoAmado, BH 2018).

A artista compartilha em suas imagens de seu trabalho, assim como fotos pessoais, em seu perfil @jademarrra. Para ficar por dentro dos próximos #ArtistasFOdA’s, publicadas semanalmente, acompanhe nossa página @planetafoda, frente de mobilização LGBTQIAP+ da Mídia NINJA.

Arte: Jade Marra

 

Arte: Jade Marra

 

Arte: Jade Marra

 

Arte: Jade Marra

 

Fonte: Mídia NINJA


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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