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Frida Kahlo

FRIDA KAHLO, A MULHER DAS MIL FACES

Frida Kahlo, a das mil faces: uma moda que não passa 

Frida Kahlo completaria, em 06 de junho, 112 anos. O texto abaixo foi publicado pelo de Fato em 2017, para lembrar que a artista foi um ícone do .

Valeria Mussio – DCM

A figura de Frida Kahlo se transformou exitosamente em um produto altamente rentável. Sua expressão, suas frases e até seu estilo fazem parte de uma moda que não passa.

No entanto, algo permaneceu no caminho para além da popular imagem de Frida fumando um cigarro com uma camiseta de Daft Punk: o fato humano, altamente sensível e conflitivo, por uma vida que só pode ser descrita como um complexo encadeamento de desventuras.

Esta humanidade de Frida aparece intensamente representada em suas pinturas: o amor obcecado e insalubre que sentia por Diego, a fixação com sua infertilidade, o sofrimento por sua enorme dor física, e uma adesão cega ao socialismo e à URSS como únicos possíveis sanadores de seus padecimentos, o que a faz ingressar em um acrítico stalinismo.

A proposta desta nota é simples: selecionar algumas obras, com um critério puramente de gosto pessoal, e abordá-las a partir deste componente humano que se perdeu no momento em que Frida se torna mercadoria, para renovar uma figura aparentemente consumida, mas na qual, através de sua , podemos encontrar uma sensibilidade impressionante para com o entorno e a própria subjetividade atormentada.

Este pode ser considerado, talvez, um dos quadros mais brutais de Frida Kahlo, ao lado de Meu Nascimento. No México, um homem assassina sua esposa em um ataque de ciúmes e sua justificativa frente o juiz foi: “Mas, Senhor, só foram algumas facadinhas de nada”.

A dor própria de uma pintora que se sente “assassinada pela vida”, uma profunda indignação, e um sádico sentido da ironia levam à realização deste quadro: uma mulher coberta de sangue, ao ponto que esta sai da pintura e mancha a moldura do quadro. Um feminicida muito tranquilo, ainda com a arma assassina na mão, e algumas pombinhas graciosas que sustentam a sentença.

Frida costuma rir da dor, mas o conteúdo de denúncia tem um peso considerável. Que distância há entre “algumas facadinhas de nada” e em pensar que a violência doméstica é resultado de “discussões que conduzem a agressões”, hoje em dia?

Frida pinta este quadro imediatamente após seu divórcio: depois do desengano amoroso mais crítico de sua relação com Diego Rivera, decide se separar e cortar o cabelo, em uma declarada renúncia a sua feminilidade. Neste quadro, mostra-nos sua imensa dor: o cabelo de Frida, traço de sua estética que mais agradava a Diego, se esparrama pelo chão e ganha vida, dando a sensação de mobilidade atemorizante.

Frida renuncia a seus vestidos típicos mexicanos e a suas cores, e se distancia do papel de mulher, do papel daquela que sofre. No entanto, sua ruptura se dá pela metade: este traje masculino que utiliza é, sem dúvida, um traje de Diego, o que explicaria o porquê lhe fica tão grande.

Com ironia, reza sobre ela uma canção: Mira, se te quise, fue por el pelo; ahora que estás pelona, ya no te quiero (Olha, se te quis, foi pelo cabelo; agora que está careca, eu não te quero).

Uma espécie de “performance de gênero” pode ser encontrada neste quadro, mas não é em nada para uma reivindicação feminista. Ao mesmo tempo em que a cabeça de Frida pode ir muito além, seu coração vive por Diego, gira ao redor de Diego, e da dor produzida por esta obsessão que tem por ele nasce grande parte de suas obras.

Um dos quadros mais sensíveis e dolorosos de Frida é, sem dúvida, Diego e eu. A obsessão que governa seus sentimentos não pode ser representada de forma mais clara. Pinta Diego, sempre em sua mente, em sua própria testa e lhe coloca um terceiro olho, o da sabedoria, indicando sua superioridade e mostrando essa inteligência e talento que ela tanto admirava.

O cabelo que corta tão violentamente em Autorretrato com cabelo cortado, aqui aparece solto, coisa pouco frequente em suas pinturas, em uma clara tentativa de agradar a Diego. E é justamente seu cabelo solto, em representação deste intenso amor, o que envolve seu próprio pescoço e a enforca. Sua visão é cálida e triste, e algumas lágrimas caem, enquanto este amor doentio a asfixia por completo.

Este quadro, muito anterior aos demais, pertence a uma etapa prévia à época dourada de Frida, na qual seu estilo ainda estava sendo polido. O ano era 1933, fazia três anos que Frida estava vivendo nos , e possuía uma necessidade imperiosa de retornar a sua terra natal. No entanto, Diego Rivera estava encantado com “a grande caca” norte-americana.

Frida pinta este quadro para expressar seu profundo descontentamento, no qual representa a sociedade estadunidense aos olhos de uma mexicana socialista: um vaso sanitário, chaminés de fábricas, resíduos, e uma fortemente unida a uma igreja lúgubre. Nesse lugar, pendura seu vestido. No entanto, ela não está presente: ali habita seu , mas sua alma, sua mente e seu coração estão em seu México natal.

Devolvendo a humanidade: uma máscara de loucura e um final

A enorme dor experimentada marca profundamente a personalidade de Frida. Em certos momentos, muito sarcástica, ri de si mesma. Em outros, seus quadros nos transportam aos lugares mais obscuros de sua mente.

A obsessão por sua incapacidade de ter filhos, devido a um brutal acidente que lhe deixa marcas (tema sobretudo em suas naturezas mortas), um amor obsessivo que a consumia e um sofrimento físico que a desgastava são alguns exemplos dos eixos que encontramos em sua produção artística. Uma aura de loucura a percorre: não a esconde, mas, ao contrário, por trás desta loucura oculta sua vulnerabilidade.

Frida pinta até o final: declara que quando seu talento terminar, também acontecerá o mesmo com sua vida. Em seus últimos dias, prostrada em uma cama pinta Os fornos de tijolo, um quadro que carece da qualidade dos anteriores e que é difícil de apreciar. Esta obra foi o final de sua .

Frida hoje: uma sensibilidade vigente

Fica muito claro que Frida tem um repertório do mais variado em temas nas suas pinturas. Este leque de sentimentos e conflitos (tanto internos, como externos) que nos apresenta em suas obras, tem vigência até o dia de hoje: a violência patriarcal continua levando a vida de milhares de mulheres, e a justiça machista continua se inclinando para encarcerar, injustamente, vítimas dos tipos de violência mais cruéis que precisam se defender para sobreviver, como aconteceu com Higui [Eva Analía Dejesús], e como hoje acontece com María Cristina Santillán e Victoria Aguirre.

O imperialismo estadunidense que retrata de forma tão acertada, hoje, com Trump, mostra seu rosto mais descarnado: o do capitalismo em crise, enfrentado pelos trabalhadores, as mulheres e nós que militamos pelo socialismo.

Redescobrir Frida é, por um lado conhecer a esta personagem que nunca escondeu quem era, desde sua obsessão até sua ideologia e sua sexualidade, e, por outro, observar sua obra atentamente, já que é a produção de uma artista que foi o suficientemente sensível para entender tudo o que acontecia ao seu redor, abrindo-nos a porta de um mundo que, embora mudou em mais de meio século, apresenta-se a nós brutalmente atual em muitos aspectos.

Fonte: DCM– Reportagem publicada originalmente por La Izquierda Diario e traduzida pelo Cepat.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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