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GARIMPO NA TI YANOMAMI DESACELERA, MAS INAÇÃO DE MILITARES PERMITE RETOMADA, DIZ RELATÓRIO

GARIMPO NA TI YANOMAMI DESACELERA, MAS INAÇÃO DE MILITARES PERMITE RETOMADA, DIZ RELATÓRIO

Área impactada pela atividade ilegal cresceu 7% em 2023, crescimento bem menor do que em anos anteriores; garimpeiros tentam burlar fiscalizações e prejudicam acesso à saúde.

Por Gabriel Tussini/O Eco

O garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami sofreu forte desaceleração em 2023, mas a área afetada continuou crescendo. É o que destaca uma nota técnica produzida mês passado pelas organizações Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) e Urihi Associação Yanomami, com apoio técnico do Instituto Socioambiental e do Greenpeace Brasil. Segundo o documento, as ações do governo federal foram “insuficientes” para resolver o problema, “especialmente depois que as forças armadas assumiram um maior protagonismo nas operações”. A área impactada cresceu 7%, bem abaixo dos 54% de aumento registrados em 2022 e dos 43% registrados em 2021.

Segundo o relatório, a área impactada pelo garimpo ultrapassou os 5400 hectares – área comparável à de municípios de médio porte, como Lauro de Freitas (BA), Balneário Camboriú (SC) ou Taboão da Serra (SP). De acordo com o documento, cerca de 70 a 80% dos garimpeiros deixaram a região no primeiro semestre do ano passado, mas retornaram após o “relaxamento das ações de repressão”, a cargo principalmente do Exército. A reativação das zonas de exploração trouxe graves consequências à saúde e ao atendimento médico aos indígenas, o que contribuiu para que, até novembro, 308 mortes de indígenas fossem registradas no território. 

O documento cita dados de monitoramento por satélite realizado pelo Greenpeace, que afirmam que a região mais devastada foi a do rio Couto de Magalhães, com 78 hectares “destruídos por conta do garimpo”, seguido do trecho superior do rio Macujaí, com 55 hectares devastados. Na área do rio Uraricoera, que registrou 32 hectares de destruição, a atividade garimpeira sofreu uma “enorme redução” por ter sido “um dos focos de atuação das forças federais no ano passado”.

Para burlar as ações de fiscalização, diz o documento, os invasores passaram a investir em tecnologias para comunicação, na descentralização e fragmentação dos canteiros, na reativação de canteiros distantes de grandes rios, na operação no período noturno, na reação armada e na mudança de centros de distribuição e logística para a Venezuela. Apesar disso, os garimpeiros recentemente sofreram um revés do outro lado da fronteira, quando uma operação do exército venezuelano desmantelou pistas clandestinas utilizadas por aviões do garimpo no município de Alto Orinoco, na fronteira com a TI Yanomami.

O uso de armas de fogo por parte dos criminosos é um fator de alto risco para os indígenas, seja diretamente contra eles ou através do “fogo cruzado” em conflitos entre diferentes grupos de garimpeiros. Indígenas da região do Xitei narram a existência de um “conflito aberto” entre alguns desses grupos na região. Apenas no Xitei, 21 indígenas morreram baleados desde 2022 – em seguida na listagem vêm as regiões de Hakoma e Haxiu, com 5 mortes cada. O documento diz que “claramente” a região vive em “estado de guerra”. Com população de cerca de 2 mil pessoas, 1% dos habitantes do Xitei foram vítimas do conflito.

Impactos no acesso à saúde

Os maiores riscos, porém, vem da contaminação da água e do solo, além da impossibilidade de acesso aos serviços de saúde devido à presença dos criminosos, que impedem o trânsito de indígenas e dos profissionais da área. De acordo com o relatório, o “clima de insegurança e conflito” na terra indígena faz com que os profissionais de saúde evitem “realizar visitas em muitas aldeias, com sérias implicações para a realização de ações fundamentais de atenção básica”. O documento afirma que a manutenção de altas taxas de mortes por doenças do aparelho respiratório são “correlação entre manutenção do garimpo e desassistência”.

Essa dificuldade no acesso dos profissionais de saúde aos indígenas, e vice-versa, resulta em problemas em diversas frentes. A cobertura vacinal, por exemplo, está muito abaixo das metas em toda a terra indígena. Entre as crianças de até 1 ano, menos da metade recebeu todas as vacinas que deveriam tomar, diz o relatório. O cenário também é ruim na faixa de 1 a 4 anos, com 14 dos 37 polos de saúde indígena na região registrando menos da metade das crianças tendo acesso a todas as vacinas. Na área do Xitei, onde acontece o já mencionado conflito entre garimpeiros que impede a visita dos profissionais de saúde, 12 crianças menores de cinco anos morreram no ano passado, 5 delas de pneumonia.

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Criança yanomami internada com desnutrição no Hospital Infantil Santo Antonio, em Boa Vista. Governo declarou emergência na saúde em janeiro de 2023. Foto: Michael Dantas/AFP.

A malária é outro grave problema na Terra Indígena Yanomami. Até o mês de outubro, último disponível até o momento da elaboração da nota técnica, já haviam sido registrados 25 mil casos da doença no território – média de mais de 2 mil casos por mês. Segundo o documento, a dificuldade de controlar a doença está diretamente ligada à impossibilidade de deslocamento das equipes de saúde devido à presença dos criminosos armados. “Sem um esforço de busca ativa, fica praticamente impossível estabilizar a situação local”, alertam as organizações.

Uma habitante da comunidade de Korekorema falou aos autores do relatório sobre os graves problemas causados pelos garimpeiros. “Não tem nenhuma segurança na nossa comunidade. Estamos sozinhos, vivemos pensando que os garimpeiros vão vir nos atacar. Temos muito medo. Isso não é certo. Eles estão muito perto da nossa casa. Nós não temos como correr para fugir, não temos nosso motor, se eles vierem nos atacar vamos todos morrer. Nós estamos sem comunicação lá, se acontecer alguma coisa como vamos pedir ajuda?”, questionou a indígena.

“Eles já estão acabando com nossa água. Não tem mais peixes. Nós procuramos comida, mas não achamos! Os garimpeiros nos expulsam da nossa própria terra. Eles pensam que nós vamos levar a polícia para lá então eles nos ameaçam. Por isso nós fugimos, nós temos medo. Todas as minhas crianças estão doentes, tem mais de 15 crianças com malária na minha casa”, completou.

Em dezembro, a Justiça Federal de Roraima determinou que o governo apresentasse um novo plano de ações para o combate ao garimpo na Terra Indígena Yanomami, o que ainda não foi feito. No início do mês, em reunião ministerial, o presidente Lula prometeu novas ações na região e cobrou mais esforços dos ministros, classificando o problema como “questão de Estado”.

A nota técnica lista uma série de recomendações ao governo federal. Entre elas, a retomada “urgente” das operações de desintrusão; a elaboração de um Plano de Proteção Territorial que garanta ações como patrulhamento de rios, bloqueio de espaço aéreo e monitoramento contínuo; um plano de desarmamento voluntário nas “regiões sensíveis”, investimentos na estrutura de saúde e a criação de uma força-tarefa para enfrentamento da malária no território.

“Os dados demonstram que embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na sua totalidade. De fato, houve uma importante redução no contingente de invasores, o que pode ser verificada na desaceleração das taxas de aumento de área degradada, mas o que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população Yanomami”, avalia o relatório.

“Já completou um ano [do início das operações de desintrusão]. Agora em 2024, vamos começar de novo? Eu queria conversar com o Exército e com os militares porque eles estão lá para proteger a floresta nacional, a floresta Amazônica, mas não estão protegendo. Só protegem os quartéis e o território Yanomami precisa de proteção porque essa floresta é uma proteção para o Brasil”, disse Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, uma das entidades autoras da nota técnica.

Fonte: O Eco. Foto: Reuters/Folhapress.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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