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GRACIAS A MERCEDES SOSA

GRACIAS A MERCEDES SOSA

Gracias a Mercedes Sosa 

Neste passado 9 de julho, uma das vozes fundamentais do mundo completaria 89 anos. Recupero para ela. Num domingo de 2009, ao saber da notícia do falecimento de Mercedes Sosa, a minha filha disse à mesa: “e eu perdi… eu sabia que nunca mais ia ter outra oportunidade ”. Ela se referia a uma apresentação da artista no Recife naquele ano, a que ela não pôde ir. Esse “eu perdi” ficou.

Por Urariano Mota

Mas era domingo, dia de trégua, e joguei ou perdi a má notícia a um canto, pensando que a esqueceria. No outro dia, em um blog que eu possuía, o leitor Joca Ramiro reclamou: “acho que deverias escrever um texto sobre alguém a quem aprendemos a gostar e respeitar, mas que nesse domingo 4/10/2009 nos deixou, nada mais nada menos que a divina Mercedes Sosa”.

E para evitar a emoção, como um capoeira malandro, evitei o golpe, fiz um círculo e me furtei. Mas se furtar à luta não é o mesmo que resolvê-la, porque o chamamento à roda nos clama, persegue e agarra: para onde tu vais, fujão? Agarrado então imagino que deve haver um modo de falar sem ir ao fundo, com um modo objetivo e esquivo. Algo como pesquisar, copiar e colar como se fosse um colador de figurinhas.

Na figurinha número 1, assim fala a primeira informação:

“Mercedes Sosa (San Miguel de Tucumán, 9 de julho de 1935 — , 4 de outubro de 2009) foi uma cantora argentina de grande apelo popular na América Latina. Com raízes na música folclórica argentina, ela se tornou uma das expoentes do movimento conhecido como Nueva canción. Apelidada de La Negra pelos fãs devido à ascendência ameríndia (no exterior acreditava-se erroneamente que era devido a seus longos cabelos negros), ficou conhecida como a voz dos ‘sem voz'”.

Milton Nascimento
Foto: Wikipedia

La Negra, porque descendente de índio na Argentina. Adiante. E já que falamos da negra, nos jornais daquele dia estava a seguinte figurinha:

“Ainda sob o impacto da notícia da morte da cantora, no domingo, Braceli, que prepara um volume atualizado com histórias da vida de Sosa, falou à Folha sobre as memórias com ‘La Negra', como era chamada.

Uma delas viveu com dentro do carro da cantora, que adorava dirigir em alta velocidade. ‘Íamos sete pessoas no automóvel – Mercedes, Milton e eu na frente.

Perto do Aeroparque [aeroporto para voos domésticos em Buenos Aires], o carro parou em plena linha de trem. Ao longe, vinha uma locomotiva e, naturalmente, vivemos segundos de inquietação. Milton, não. Ele aumentou o volume do toca-fitas. Depois do susto, perguntei por que fez aquilo e ele disse: ‘Porque, se aquele era o final, seria o final mais feliz da minha vida'. Escutávamos a Negra cantando uma música dele”.

Esses artistas, essa Negra Mercedes, esse Negro Milton, eles pegam e chamam a gente para valores fundamentais. Pois que prazer e felicidade são esses que os levam a fechar os olhos a ouvir acordes enquanto um trem avança sobre os corpos? Como se pode morrer feliz aos pedaços da própria carne?

“Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo como un niño frente a dios”

GRACIAS A MERCEDES SOSA
El Mundo

Este colador profissional ouve agora a voz de Mercedes Sosa. E cola nesta altura o que lhe vem dentro: coisa boa é a mecânica, a tecnologia a serviço da arte. Graças a essa coisa fria, a essa mecânica, eletrônica, podemos ouvir agora uma vez mais La Negra. Aquela voz absoluta e total, quente como um leite de mãe gorda, que toma conta da gente em um grito:

“El tiempo pasa nos vamos poniendo viejos
Yo el amor no lo reflejo como ayer
En cada conversación cada beso cada abrazo
Se impone siempre un pedazo de razón”

Pero todo cambia, tudo muda, amiga:

“Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño”

Essa mudança, em lugar de nos trazer uma desesperança, uma angústia, quando olhamos os estragos que o tempo fez nos lugares e pessoas amadas, é também uma esperança para as coisas que construiremos, que agora são possíveis, porque, amiga Negra, tudo muda. Tudo muda, até mesmo ter um índio no governo da Bolívia. Tudo muda, até mesmo ver o como um personagem da história do mundo.

Um jornal argentino, de modo tacanho, anunciou naquele dia, e esta é minha última figurinha que colo: “El alma de Mercedes Sosa vivirá em Tucumán, Buenos Aires y Mendoza”, porque “parte de las cenizas de la cantora, fallecida el domingo a los 74 años, serán esparcidas en la ciudad mendocina de Guaymallén el domingo 18. La ceremonia se repetirá en la provincia de Buenos Aires y Tucumán, tres sitios fundamentales de la carrera de la querida ‘Negra'”.

Que modo mesquinho, objetivo e burro de ver a realidade! As cinzas, que são matéria, e porque matéria, perecíveis, estarão de fato em Tucumán, Buenos Aires e Mendoza. Pero tu alma, Mercedes, es universal. Ela estará em todos os lugares onde cantemos e cantaremos a la vida, que nos deu tanto, tanto, até mesmo uma cantante como tu.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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