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HIDRA DE LERNA: O MONSTRO IMORTAL DE MUITAS CABEÇAS

HIDRA DE LERNA: O MONSTRO IMORTAL DE MUITAS CABEÇAS

HIDRA DE LERNA: O MONSTRO IMORTAL DE MUITAS CABEÇAS

Seria o caso agora de invocar aos céus para que nos mande Heracles, acompanhado das tochas de fogo de Iolaus, para dar fim a essa nova cabeça de Hidra, já que o governo brasileiro parece não saber de onde vem nem como combater a destruição causada por este novo monstro dos mares?

Por Zezé Weiss

Os meses de setembro e outubro de 2019 foram assim: a cada dia, as praias do Nordeste amanheceram coalhadas de manchas e pontos pretos, algumas grandes, gosmentas, assustadoras, outras menores, bordando vastidões de areia com grandes pingos de óleo-petróleo, todas trazidas pela força das marés que movimentam as ondas das águas do mar.

A cada manhã, ante a completa inoperância do Estado, centenas de voluntários e voluntárias tomaram para si a tarefa hercúlea de combater com as próprias mãos esse monstro terrível, como se fosse uma cobra com uma imensidão de cabeças e com o poder de disparar veneno a esmo, insistindo em tingir de dano e medo as areias nordestinas.

Embora medidas tardias tenham surgido por parte do governo federal, quase sessenta dias depois da primeira mancha, novembro entrou com o mar em plena atividade de devolver à terra um piche que não é seu, infelizmente para  uma areia que também não é dona sua, tristemente nas belas e  ensolaradas praias dos estados do Nordeste.

É como se Hidra, a besta imortal com corpo de dragão e cabeças de serpente, filha de Tifão e da metade mulher-metade cobra, Equidina, da mitologia grega, tivesse resolvido despertar da morte desde os pântanos do lago de Lerna, na região de Argólida, na Grécia Antiga, onde nasceu e viveu, para migrar, com toda a força de sua monstruosidade, para as bandas do oceano Atlântico, nas costas brasileiras.

Conta a lenda que, ainda bebê, Hera, a esposa do deus Zeus, adotou Hidra, dando ao maior monstro do pântano alimento, proteção e incentivo para desenvolver todos os seus instintos destrutivos. Treinada para destruir o que lhe viesse pela frente, com o tempo, Hidra tornou-se infinitamente mais perigosa do que a cobra, sua parente mais próxima.

Os números variam, mas conta-se que Hidra teria entre meia dúzia e uma centena de cabeças, cada uma delas sustentada por um enorme pescoço, com capacidade    de se enrolar ou se afastar e atacar os adversários em todos os ângulos possíveis.  Com toda essa mobilidade, o monstro consegue atacar amplas áreas, destruindo comunidades inocentes, devorando biodiversidades inteiras.

No caso de Hidra, entre as suas várias cabeças, conta a lenda que apenas uma era imortal, porém essa cabeça imortal era protegida por todas as outras cabeças mortais que cresciam ao seu redor. Se alguma das cabeças mortais fosse cortada, duas outras surgiriam no seu corpo para substituir a perda. O monstro só poderia ser morto se fosse cortada sua única cabeça imortal.

Um dia, Heracles, filho de Zeus, para também tornar-se imortal, recebeu como missão enfrentar e destruir a cabeça imortal de Hidra. Heracles então entrou no pântano e, com a boca e o nariz cobertos para não respirar o cheiro venenoso do monstro, começou a cortar as cabeças de Hidra o mais rápido que podia. Mas, quando mais cabeças cortava, muitas mais cabeças surgiam.

Então, Heracles pediu ajuda a seu sobrinho Iolaus que, com uma tocha acesa, ia queimando as cabeças à medida que Heracles as cortava, impedindo que outras nascessem. Dessa forma, o herói conseguiu alcançar a cabeça imortal de Hidra e, com uma espada de ouro que havia ganhado de Athena, teria dado fim ao monstro do pântano de Herna.

Seria o caso agora de invocar aos céus para que nos mande Heracles, acompanhado das tochas de fogo de Iolaus, para dar fim a essa nova cabeça de Hidra, já que o governo brasileiro parece não saber de onde vem nem como combater a destruição causada por este novo monstro dos mares

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p style=”text-align: justify;”>Zezé Weiss – Jornalista

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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