– O que será que eu vou comer? – pensou no finzinho da tarde.
À noite, sentada no alto da árvore, descansando, ela escutou o canto de um jacamin.
– Vou buscar esse bicho pro jantar – falou e foi pro chão, talear entre os arbustos. Foi mexendo, mexendo, até agarrá-lo.
– Tem um nó, mas não tem par – observou.
– Isso daqui é cana de arumã, não são pernas de jacamin… concluiu e soltou!
O jacamin é uma ave que costuma descansar em pé com uma perna só. Assim ele escapa da mucura, que sempre se engana com isso.
Aqui termina essa história.
História da Mucura – Conto creditado a Guiré no livro Histórias Tuyuka de rir e de assustar. Associação Escola Indígena Utapinopona Bueriwi Aeitu, 2003.
GAMBÁ, MICURÊ, MUCURA, SAUÊ, TIMBÚ
Gambá, micurê, mucura, saruê ou timbú, depende da sua região no Brasil, é desse bichinho fofo e tão importante para o nosso equilíbrio ecológico que eu quero falar. O texto é longo, mas a intenção é deixar dicas de cuidados para os pequenos órfãos.
Gambás são animais solitários, de hábitos noturno e cuja época de reprodução inicia na primavera, isso significa que o seu aparecimento nesse períodos se dá com maior frequência e consequentemente é o período em que mais são vítimas de atropelamento, ataque de cães e crueldade por parte de seres humanos.
Gambás são marsupiais, como os cangurus e coalas, isso significa que os filhotes se formam e crescem dentro da bolsinha externa presente na barriguinha das fêmeas. A sua alimentação é onívora: Frutos, insetos (peçonhentos inclusive), lagartos, anfíbios, moluscos, larvas, ovos e pequenos roedores fazem parte da sua dieta. Sabe aquele seu vizinho que reclama de ter carrapatos no pátio? Diga a ele que esse problema não seria tão grave se as pessoas respeitassem os gambás, deixando-os fazer o seu trabalho. Gambás comem até 4000 carrapatos em uma semana fazendo uma verdadeira limpeza no ambiente!
Infelizmente a perda de habitat é cada vez mais a realidade de várias espécies. Aliado a isso, não vemos planejamentos urbanos que respeitem os refúgios ecológicos. É de extrema importância que as cidades tenham pequenas matas e parques com áreas preservadas para que a vida selvagem busque abrigo e consiga se manter longe dos pátios das casas e das rodovias, além disso essas áreas servem para a manutenção do microclima da região.
Os gambás são lentos em terra, mas tem boa destreza e equilíbrio nas árvores e não apresentam qualquer ameaça para seres humanos. Também é extremamente raro de contraírem o vírus da raiva. Devemos sempre orientar as pessoas sobre a importância de protegê-los para acabar com o preconceito que o brasileiro tem contra a espécie.
Quando acuados, eles tendem a se encolher, mostrar os dentes e fazer um ruído “rouco”. Também é comum excretarem um um odor que funciona para manter o predador afastado, ele consegue isso graças a glândulas presente nas suas axilas (esse odor também é usado pela fêmea para atrair o macho). Outra defesa do gambá é se fingir de morto, assim quando o predador encontra um gambá aparentemente morto e cheirando mal acaba por ignorar a refeição.
Ao contrário da falsa reputação que eles tem, gambás são animais muito limpos!
Se você ver um gambá no seu pátio/rua/bairro, simplesmente deixe-o em paz ou afaste-o gentilmente para uma área de mata. Animais feridos ou visivelmente debilitados precisam de atendimento veterinário, neste caso sempre deve-se entrar com contato com os órgãos responsáveis ou faça a contenção usando um pano e leve até a clínica mais próxima.
Além disso, sempre que vermos um gambá atropelado, devemos conferir se não se trata de uma fêmea com filhotes que podem ser salvos (em anexo um vídeo mostrando a forma correta de retirar os filhotes do marsúpio).
Mas o que fazer quando encontramos filhotes órfãos?
Primeiramente a orientação é procurar uma entidade que faça esse tipo de atendimento, normalmente clínicas veterinárias de animais silvestres tem parceria com o IBAMA para o recebimento desses animais.
Mas como não são todas as cidades que dispõe desse tipo de serviço e sabendo que são ocorrências frequentes nessa época, deixo abaixo algumas dicas que considero fundamentais para o manejo correto da ninhada. Entendo que nem sempre nos é possível seguir à risca alguns procedimentos, mesmo assim deixo como referência e para conhecimento.
A primeira coisa a ser feita quando encontrar uma ninhada é aquecê-los. Um gambá adulto tem a temperatura corporal em torno de 35 C e os filhotes antes de 10 semanas não produzem calor próprio e precisam obrigatoriamente de uma fonte externa de calor. Nunca alimente um bebê antes de estabelecer a temperatura correta para os mesmos.
A maneira mais fácil de mantê-los aquecidos é enrolar uma garrafa pet com água quente (certifique-se de estar bem fechada!) e colocar enrolada em um pano dentro da caixa com os filhotes. A caixa deve ter tamanho suficiente para que os filhotes possam se afastar da fonte de calor se estiver quente demais pra eles. Prefira panos de algodão, não use toalhas porque eles podem facilmente prender as garrinhas.
Para estabelecer a frequência das mamadas é preciso identificar a idade do bebê e a alimentação correta. Quanto mais jovens, maior será o desafio. Os olhinhos abrem com 6 a 7 semanas e também é com essa idade que começam a abrir a boquinha. Com 10 semanas começam a ficar mais ativos e já tem pelinhos escuros. Com 10 a 12 semanas eles começam a apresentar pelos brancos, começam a escalar e a comer sozinhos.
É ideal que as primeiras mamadas sejam apenas com Pedialyte ou soro caseiro (1 copo de água mineral ou água filtrada e fervida + 1 colher de sopa de açúcar + 1 colherzinha de café de sal) para primeiramente hidratar o filhote, visto que frequentemente são resgatados depois de estarem horas sem a presença da mãe. Se forem muito pequenos o ideal é que se alimente eles a cada 1 ou 2 horas, esse intervalo deve aumentar para cada 3 horas e depois espaçar ainda mais na medida que eles crescem e a fórmula oferecida pode ser mais concentrada e/ ou associada ao alimento que ele já come sozinho.
Então: Começa-se hidratando-o apenas com soro. Depois começa-se com a fórmula bastante diluída, depois a fórmula mais ou menos diluída até que lá pelo terceiro dia ele receba fórmula normal.
Nos centros de reabilitação eles são pesados diariamente com uma balança de precisão para certificar-se de que estão ganhando peso diariamente. A quantidade ideal de fórmula é de mínimo 4% e máximo 8 % do peso, ou seja, um filhote de 200g por exemplo deve receber o mínimo de 8ml e máximo de 16 ml a cada mamada (quando respeitados os intervalos citados acima). Essa informação é apenas uma referência pois a alimentação em excesso pode ser fatal para o filhote.
A fórmula que substituirá o leite materno pode ser o pet milk que é comprado em agropecuárias/ pet shop ou uma das receitas caseiras abaixo:
-1 copo de leite integral SEM LACTOSE – (Gambás são intolerantes a lactose ela pode lhes causar catarata!), -1 copo de água, – 1 gema de ovo, 1 pitada de sal e outra de açúcar, 1 colher de chá de manteiga sem sal. OU
– 1 copo de leite sem lactose, 1 copo de água -1 gema de ovo, 1 colher de sopa rasa de mel e uma pitada de sal
Ferva tudo mexendo bem, guarde a fórmula por até dois dias na geladeira.
Retire da geladeira apenas a quantidade a ser usada e aqueça em banho maria ou por (no máximo) 10 segundos no microondas, não reaproveite se houver sobra. Sempre ofereça a fórmula morninha.
Nas primeiras semanas será difícil de abrir as boquinhas deles para alimentar, pois dentro do marsúpio eles permanecem agarrados aos mamilos pelos primeiros meses. Deve-se ter muito cuidados para não machucar, pois quando muito jovens temos a impressão de que a boquinha não tem abertura.
Você pode pingar a fórmula do lado de fora da boquinha para que ele comece lambendo e você consiga inserir o biquinho da mamadeira. Nessa fase é frequentemente usada uma sonda ou tubo para alimentação que deve ser acoplada a uma seringa, assim você só abre a boquinha do animal uma vez a cada alimentação.
Coloque o tubinho gentilmente dentro da boquinha com o cuidado para que fique em cima da língua. Pressione a seringa devagar observando que o animal está engolindo. A posição correta sempre deve ser com a barriguinha para baixo, evitando assim o risco de ele fazer uma falsa via. Procure ter um bico de mamadeira de pet para usar na ponta da seringa, em poucos dias a amamentação se torna mais fácil embora eles não cheguem a ser bons sugadores como cães e gatos.
Tão importante quanto alimentar o filhote é estimular a sua genitália com um algodão umedecido com água morna, simulando assim a lambedura da mamãe para que ele urine e defeque. Se o filhote não evacuar corretamente, irá apresentar a barriga inchada e pode ir a óbito. Diarreias em filhotes também podem ser fatais.
Em caso de diarreia suspenda a fórmula, volte para o Pedialyte seguido da fórmula bastante diluída em água e que gradualmente segue para a fórmula normal. Procure atendimento veterinário em caso de diarreia ou barriguinha inchada.
Você vai notar que estão crescidinhos quando começarem a recusar o leite, nesse período você pode começar a introduzir papinhas de frutas amassadas com o leite usado anteriormente e também papinhas de leite (o mesmo leite) com ração de gato. Se não comerem sozinhos você pode dar na seringa e ainda assim deixar disponível na caixinha deles para que se aventurem a comer sozinhos quando você não estiver por perto. Aos poucos você tira o leite e oferece os alimentos mais sólidos para estimular a mastigação.
Toda a manipulação deve ser feita em silêncio, sequer converse com eles. Inclusive a amamentação pode ser feita usando uma fronha de travesseiro para cobrir os olhos do animal, bem como ele não deve ser alisado. Esse cuidado é fundamental para que o animal continue selvagem e não associe humanos a provedores de alimento e cuidados. Eles são uns fofos, eu sei, mas condicioná-los a não ter medo de seres humanos é um egoísmo da nossa parte e significa sentenciá-los a morte em vida livre.
Quando já estiverem se alimentando sozinhos, o ideal é que tenham mais espaço e que você consiga começar a esconder o alimento. Use galhos, folhas secas como enriquecimento ambiental. Comece a colocar ovos de codorna (cozido ou cru) inteiros para que ele aprenda a quebrar, frutas inteiras e pedaços grandes, além do cardápio mais variado possível.
Prefira alimentá-lo a noite para respeitar os hábitos noturnos da espécie. Se possível coloque-o para pegar sol indireto ao menos 10 minutos por dia para garantir a absorção de vitamina D. Outra questão importante é a falta de cálcio que pode causar doenças fatais nessa espécie, por isso, você pode fazer uma farinha de casca de ovo para colocar sobre o alimento quando já estiverem comendo sozinhos.
Quando você considerar que o(s) filhote(s) já está apto para sobreviver sozinho, escolha um final de tarde para fazer a soltura preferencialmente em um lugar calmo próximo da região onde foi resgatado. Devolva-o muito bem alimentado, mas não deixe comida no local para não atrair predadores.
Tenha certeza que devolver eles pra natureza é o melhor que podemos fazer para dar continuidade a espécie. Cada indivíduo é importante para o meio, e nós como causadores de todo esse desequilíbrio devemos fazer a nossa parte para minimizar os danos e devolver a natureza o que a ela pertence!
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
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REVISTA
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