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INEZITA VELHA DE GUERRA

Inezita velha de guerra

A de Inezita Barroso está presente entre nós, desde meados do século passado, e estará pra sempre.

Por

Ela, que faleceu neste março, ao completar 90 anos, talvez tenha ficado mais conhecida como cantora de música caipira, paulista que era. Já estaria de bom tamanho, mas sua importância na das artes no vai muito além disso.

Como pesquisadora incansável, sempre ajudou a preservar as mais diversas manifestações culturais brasileiras. Ritmos, danças, cantorias e cantigas dos mais recônditos rincões desses brasis, dos pampas gaúchos aos beiradões amazônicos, foram o motor da sua vida. Ela ia atrás a pé, em lombo de mula, barco, jipe, ônibus ou avião.

A vem com Inezita do berço. Ela nasceu na cosmopolita São Paulo, em março de 1925, com o nome de Ignez Madalena Aranha de Lima. Era filha da elite cafeeira paulista. Por isso, desde criança andava pelas fazendas da família, no interior, em contato com trabalhadores e populações locais. São daí seus primeiros encontros ao vivo com causos e cantorias.

Apesar de se dizer avesso ao gênero caipira, e de em casa só ouvir música clássica, seu pai era amigo de Raul Montes Torres, o cantor e compositor de alguns clássicos, anos depois gravados por ela. São dele, por exemplo, “Moda da Mula Preta”, “Saudades de Matão”, “Colcha de Retalhos” e “A Moda da Pinga”.

Como toda moça da alta-roda de então, ela estudou piano, o que despertou sua verve musical, logo transposta a outros instrumentos, especialmente o violão. Desde os 7 anos, já tocava em festinhas no Clube de Perdizes, bairro sofisticado da capital paulista. “A família torcia o nariz, porque era feio ser artista, ainda mais pra mulher”, contava ela.

inezita

Seu gosto pela pesquisa adveio, por certo, do curso de Biblioteconomia na de São Paulo (USP), em que se formou em 1953. Mas sua biblioteca estava mesmo era nesse mundão, a céu aberto ou nos barracões de festas populares.

O sobrenome ela emprestou do advogado cearense Adolfo Cabral Barroso, com quem se casou em 1947, aos 22 anos, e teve uma filha. Já o diminutivo Inezita era o jeito carinhoso com que a tratavam em casa e noutras rodas, pela sua baixa estatura e pelo corpo franzino.

Seu marido não era músico, mas tinha um irmão que era radialista e, também por isso, a incentivava a cultivar o veio das artes. Foi o apoio mais importante que teve na vida, segundo ela.

Logo após o casamento, os dois se mudaram pro Pernambuco, onde ela pôs pra fora sua ânsia artística. O que os movia eram razões profissionais de Adolfo, mas Inezita se enturmou bem depressa no meio artístico pernambucano. Ela virou cantora profissional da potente Rádio Clube do Recife, em programas de auditório com barulhentas plateias. Era só o começo.

O cunhado Maurício Barroso, além do rádio, mexia também com TV e teatro, com gente como Paulo Autran e Tônia Carrero, e colocou Inezita na roda, de volta a São Paulo. Era a fina-flor do teatro moderno e dos primeiros passos da TV no Brasil, que ajuntava gente de todo canto, todo mundo interessado em .

O primeiro grande salto foi estrear no , como atriz. Desde logo, ela percebeu que essa não era bem a sua praia. Mas, de todo jeito, atuou em nove filmes de longa-metragem, num dos quais em papel principal. Foi em “Mulher de Verdade”, de Alberto Cavalcanti, em que interpretou uma enfermeira bígama, pelo que foi agraciada com o Prêmio Saci de melhor atriz de 1955.

Contudo, foi interpretando ela mesma, como cantora, que atuou em maior número de filmes, o que reforçou sua ligação com a música. Era, de todo modo, uma atividade que denotava com força uma atitude de rebeldia aos padrões elitistas da sua família.

inezita2A projeção maior de seu , entretanto, veio do rádio e do disco. O rádio, naquela época, não era apenas tocador de discos. Eram as emissoras que promoviam as festas e os programas de auditório nas capitais e cidades do interior. Dividiam o cenário com os circos, o que significava estar com o pé na estrada. Com roupas simples, botinas, cabelos pretos meio encaracolados, ela chegava lá, fosse onde fosse.

Nessas andanças, ela conheceu todo mundo do meio musical, especialmente os caipiras. Os paulistas Tonico e Tinoco, por exemplo. Mas ela se apegou mais a Tião Carreiro, que fazia dupla com Pardinho. Tião era mineiro de Montes Claros, mas havia se estabelecido em São Paulo.

Inezita o considerava o grande nome do caipira, porque ela sabia que esse gênero musical, embora colocado no mesmo saco, é diferente de região pra região. A batida de viola em Minas Gerais era muito outra. E são mais de 30 afinações diferentes, segundo levantamento que ela fez.
Ela admirava Tião porque ele misturou as pegadas e ponteios e criou o pagode caipira, que gerou grande mudança no gênero. Além disso, ele retirou

das duplas a predominância da segunda voz, estridente, valorizando a primeira voz, mais grave, cadenciada. E era baita violeiro, tendo gravado vários discos instrumentais, com solos.

Sobre as músicas que gravou, ela contava muitas histórias, uma das quais é especial de boa, como ela dizia. Trata-se de “Lampião de Gás”, um de seus maiores sucessos, mas por acaso. A autora é Zica Bérgami, senhora da alta sociedade paulistana, que procurou Inezita nos estúdios da TV Record.

Acompanhada de uma amiga – ambas finamente vestidas, com colares de pérolas e perfume francês, Zica se dirigiu ao maestro Hervê Cordovil, diretor musical, e disse ter uma música pra Inezita cantar. Ela cantarolou a melodia e entregou a letra a ele, que a guardou numa gaveta, com jeito de que ali iria mofar.

Belo dia, no entanto, ao finalizar um novo disco de Inezita, havia espaço pra mais uma música e Hervê se lembrou da tal composição. Improvisou um arranjo, que ela adorou, e a peça foi gravada, como tapa-buraco. E deu no que deu.

Inezita guardou meticuloso arquivo de toda sua carreira, desde menina, assim honrando seu diploma da USP. Recortes de jornais e revistas, filmes, fitas de rádio e TV, cartazes e o que mais se imaginar, tudo organizado, devidamente catalogado.

Ademais, o programa Viola, Minha Viola, que ela apresentava semanalmente na TV de São Paulo, desde 1980, é um baú de informações sobre a música de raiz no Brasil.

Publicado originalmente em 11 de abril de 2015

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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