Historiador defende memória em assentamento do MST

Historiador defende memória em assentamento do MST

Usina foi usada como crematório de corpos durante a ditadura militar

Por Ana Cristina Campos/Agência Brasil

O historiador Lucas Pedretti, coordenador da Coalizão por Memória, Verdade, , Reparação e , defendeu a criação de um espaço de memória no assentamento do Movimento dos Rurais Sem (MST) destinado à reforma agrária nas terras da antiga Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, usada como local de incineração de corpos durante a ditadura militar.

“Seria muito importante que o assentamento a ser construído na usina pudesse ser pensado como lugar de memória da violência do , das lutas por democracia, das lutas pela reforma agrária, das lutas por Justiça e por porque aquele espaço é muito significativo ao acumular esse conjunto de simbolismos que nos mostram o quanto a gente ainda tem a avançar na consolidação de uma democracia no Brasil”, disse o historiador.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou no Diário Oficial da União dessa quarta-feira (23) portaria que cria o Projeto de Assentamento Cícero Guedes. A área de 1.319,8148 hectares foi desapropriada em 2021, pela Justiça Federal, e destinada a assentar famílias do MST, que lutam pelo local desde 1998, quando um decreto presidencial considerou as terras improdutivas por não cumprir função social. De acordo com portaria do Incra, 185 famílias serão assentadas no local.

Na última quinta-feira (24), portaria do Incra criou o Projeto de Assentamento Cícero Guedes – MST/RJ

As terras da Usina Cambahyba pertenciam à família de Heli Ribeiro Gomes, já falecido. Ele foi vice-governador do Rio de Janeiro, de 1967 a 1971, e seria próximo ao agente do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS), Cláudio .

Segundo Lucas Pedretti, Guerra teria sugerido a Gomes no auge da repressão à armada que a usina fosse usada para incinerar 12 corpos de militantes políticos desaparecidos, principalmente os que haviam sido torturados e assassinados na Casa da Morte, aparelho clandestino de repressão em Petrópolis.

“Essa narrativa do Cláudio Guerra foi recentemente atestada por uma perícia feita pela Comissão Nacional da Verdade que cita a possibilidade física de que os fornos foram utilizados para esse fim e mais recentemente a Justiça Federal condenou o Cláudio Guerra em uma decisão muito rara no Brasil por violações aos direitos humanos. Na decisão da Justiça, se confirma que os fornos da usina foram utilizados para a ocultação de cadáveres”, afirmou o historiador.

Para a dirigente do MST no Rio de Janeiro Iranilde de Oliveira Silva, a Eró, o anúncio do assentamento é um processo de reparação histórica da classe trabalhadora e do avanço da reforma agrária no estado.

“Uma área que foi utilizada para incinerar corpos de militantes durante a ditadura militar hoje ali pulsam famílias, pulsam vidas, pulsa produção de saudáveis. O assentamento tem uma referência muito grande para avançarmos no combate à fome e à miséria no campo.”

O nome do assentamento lembra Cícero Guedes, líder do MST em Campos dos Goytacazes, assassinado em 26 de janeiro de 2013 com mais de dez tiros nas costas e cabeça, próximo ao Assentamento Oziel Alvez, uma das ocupações feitas pelo movimento para pressionar a destinação do Complexo Cambahyba para reforma agrária.

Edição: Denise Griesinger

Fonte: Agência Brasil Capa: MST Rio


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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