Hoje não tem Bozo. O B hoje é de Buarque, nosso prêmio Camões de Literatura. Salve, Chico!

Hoje não tem Bozo. O B hoje é de Buarque, nosso prêmio Camões de . Salve, Chico!

Por Joaquim Ferreira dos Santos

Meu caro amigo me perdoe, por favor, mas hoje não tem Bolsonaro ou qualquer esquisitice de seu circo de gente ordeira e virtuosa, essa nova nata da malandragem. Hoje tem Chico Buarque, prêmio Camões de literatura, e ele vem com o chocalho amarrado na canela. Não interessa se é na da ou na da perna . Aos gênios, a feijoada completa e a festa, pá!, da morena dos d’água.

Consta nos astros, nos autos, nos signos, que hoje não vai se perder com mané Crivela ou com o que-será-que-será que andam cochichando nas reformas da previdência, nas contingências de verbas e demais desinteressências. Todo dia tudo sempre igual. O malandro agora é presidencial e dia-sim dia-não, com honra e júbilo, ele medalha de mérito os próprios filhos. Tijolo por tijolo num desenho sórdido. Vão passar.

Hoje é dia de lembrar satisfeito, o radinho tocando direito, que por aqui já passaram sambas imortais e, a despeito do Sanatório Geral que a todos loucupleteia, o piano do compositor popular, essa glória nacional, vai continuar subindo a Mangueira.

Deus é cara gozador, a ponto de botar o filho para pregar em cima das goiabeiras nordestinas. Mas também joga a favor. Ele podia colocar qualquer um de nós cabreiro, fazer nascer mexicano e morar debaixo de um ridículo sombreiro. Só que não. Em troca do fardo de ser brasileiro, Deus, com açúcar e com afeto, deu a todos nós o upgrade de viver no mesmo período em que aqui está, a caminhar ligeiro pelo Leblon maneiro, o Chico Buarque de Holanda peladeiro.

Hoje não tem o diploma falso do Witzel. O personagem da semana é um herói de verdade. Montado num cavalo que fala o mais fino português, Chico educa o ouvido nacional quando diz, no meio de um sambinha, que ‘a porta dela não tem tramela e a janela é sem gelosia’. Drummond invejou o ritmo. Em meio a tanta lama, tão pouca brahma, meninos se alimentando de luz, vive-se num país em que é possível ouvir no rádio do táxi que nós gatos já nascemos fortes e somos capazes de enfrentar os batalhões, os alemães e os seus canhões. Mire-se no exemplo.

Outras nações são feitas de homens e , elementos que faltam aqui. Chico Buarque é a voz que nos resta, a veia que salta, aquele que torna suportável essa noite de mascarados e pigmeus de boulevard. Sempre que tira o violão da capa e pega o dicionário de rimas, o país melhora. Há quem prefira escrever a do Brasil com fuzil, desligar o radar da estrada e azucrinar os golfinhos de Angra com turistas esporrentos. Chico, armado com a bemol natural sustenida no ar, atira de volta o “luz, quero luz” que cantam os poetas mais delirantes.

O Brasil de 2019 é uma tão distraída que parece ter perdido a noção da hora. Ao Deus-dará. É um trem de candango, um bando de orangotango, todos com um bom motivo para esfolar o próximo. A maioria, trancada em pânico nos seus camarins, toma calmante com um bocado de gin. Lá fora, no Brejo da Cruz, desfila a estarrecedora banda de napoleões cretinos, todos de marcha-ré em permanente ode aos ratos e às tenebrosas transações. Nas horas vagas, apedreja-se a mais recente Geni.

Chico dá . Mesmo com todo o problema, todo o sistema, ele inventa um outro país – e a gente vai levando. É só uma página infeliz da nossa história.

Fonte: O Globo

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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