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HOMENAGEM A JUCINETE

a Jucinete

Jose Araújo, médica, fundadora do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, nos anos 1986, faz uma homenagem a Jucinete Machado, falecida dia 18 de maio de 2020, por causa do coronavírus -19. Fala por todas nós, que conhecemos, que convivemos com a Jucinete.

Por Maria José Araújo, via Vera Soares

É difícil falar da Jucinete, pela saudade que sinto, pela perda precoce, pelo sofrimento que deve ter sido por causa desta doença que a obrigou a ficar isolada da família, dos amigos.

Mas é fácil falar da Jucinete, pois é uma pessoa que despertava em todos nós, nos amigos, nas amigas, nas clientes do Coletivo um profundo carinho, um profundo respeito.

Jucinete ultrapassou muitos limites pessoais e muitas barreiras, vindo de uma família pobre, tendo ensino médio, teve uma precária, portanto, assumiu um projeto coletivo de muitas mulheres, onde ela colocou toda sua energia, toda sua dedicação , tudo que ela tinha de bom, seus conhecimentos empíricos, sua sensibilidade.

Jucinete foi uma grande parceira, fundou junto com outras mulheres a Casa da Mulher do Grajú [ nos anos 1980] que teve um importante papel para as mulheres, para o movimento de saúde da Zona Sul da cidade de São Paulo. Jucinete foi uma pioneira e participante da criação do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, onde trabalhou por muitos anos.

Jucinete fazia um tipo de atendimento humanizado, era escolhida por muitas mulheres que frequentavam o Coletivo, pelo seu carinho, pela sua mão terna e cuidadosa, amiga quando tocava uma mulher. O retorno que o Coletivo tinha do trabalho da Jucinete sempre foi muito positivo, vinha de mulheres em situação de , de mulheres com sofrimento, Jucinete sabia tratar uma mulher que chegava com qualquer demanda, qualquer sofrimento, mental inclusive, sem ser psicóloga, sem ser médica.

Eu, Mazé, sempre disse que ela fazia exame ginecológico melhor que muitos médicos, porque além da técnica que aprendeu muito bem ela tinha um grande respeito e solidariedade pelas pessoas, um cuidado no tocar, no falar. Sabia ouvir, sabia seus limites, sabia o que podia ou não podia fazer, até aonde podia ir. Tinha isto muito claro, sempre.

Jucinete foi uma companheira, uma lutadora. Lutou no movimento de saúde, lutou no movimento de moradia, lutou organizando as mulheres, dando aulas, participando de inúmeras oficinas, cursos de formação. Foi parceira de muitas mulheres neste País.

A perda da Jucinete é a perda de uma parte da nossa historia, de um momento muito importante , onde os movimentos sociais, o movimento feminista em São Paulo e no estavam muito ativos, onde lutávamos por um tipo de atendimento à saúde diferenciado, onde as mulheres pudessem ser sujeitos das ações, e não pacientes e nem clientes. Foi um momento que o movimento feminista, os movimentos de saúde estiveram muito atuantes e que posteriormente dará origem ao SUS, aos Programas de Saúde das Mulheres.

Sempre penso na Jucinete com seu sorriso, muitas vezes fazendo massagem nas nossas costas para aliviar nossas dores, conversando, dialogando.

Para mim foi um grande perda. Imagino que o mesmo para tantas mulheres que conviveram com ela. Com muita emoção ao falar da Jucinete, meu coração fica partido com sua partida, mas lembro dela com enorme carinho, afeto, respeito, sempre como esta pessoa que deixou marcas, deixou rastro no mundo. Sua generosidade, seu senso de coletivo, seu apoio, senso de solidariedade.

Neste mundo capitalista, onde impera o individualismo, o que Jucinete fazia, como ela era, para mim é o que importa, por isto deixou marcas.

Meu respeito e reconhecimento em sua memória, minha querida parceira de tantos anos.

Nota da Redação: Nós nos somamos na homenagem a Jucinete e, por meio dela, a todas as profissionais da saúde que tomaram, estão tombando e infelizmente ainda vão tomar na luta contra o coronavírus. 


 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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