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Iêda Leal de Souza: Uma insurgente negra na coordenação do MNU

Iêda Leal de Souza: Uma insurgente negra na coordenação do MNU

“É feminista, é radical, é Iêda, coordenadora nacional!” Assim, as mais de 200 lideranças negras participantes do 18º Congresso Nacional do Unificado, realizado nos dias 27, 28 e 29 de outubro, em Brasília, elegeram sua nova coordenadora, Iêda Leal, e uma direção nacional formada por 70% de mulheres. O desafio é grande. Não é por menos que a plataforma da nova coordenação terá como marca: “Nossa tarefa é reorganizar o MNU para a luta incansável contra o racismo. Estamos preparadas!”

Emocionada, a filha de Moacyr Raymundo de Souza e Gomes Leal de Souza, ele advogado, já ido dos espaços deste mundo, ela ainda hoje, com seus 80 anos, reforçando desde casa a lição de que “na nada vem em vão, que só a luta constrói”, tomou por empréstimo o “UBUNTU” de sua ancestralidade africana para aceitar o desafio de ser coordenadora nacional do MNU: “Eu sou porque somos,” disse Iêda com respeito e gratidão.

A militância no Movimento Negro Unificado começou em Goiás em parceria com a professora Silvany Euclênio na década de 1980. Desde então, Iêda faz das lições aprendidas de grandes lideranças do MNU, como Lélia Gonzalez e Luiza Bairros, e do conhecimento apreendido da literatura das escritoras Carolina Maria de Jesus – “Quarto de Despejo”, Toni Morrison – “Amada”, Conceição Evaristo – “Olhos D´Água”, Cristiane Sobral – “Não vou mais lavar os pratos”, fontes de inspiração para a luta coletiva.

“Eu não ando só” costuma ser a frase mais repetida por essa mulher forte e guerreira, que diz não saber caminhar sozinha por trazer dentro de si as muitas marcas do de Zumbi dos Palmares, Dandara, Martin Luther King Jr, Nelson Mandela, Winnie Mandela, Tereza Benguela, Malcolm X e Bell Hooks – lideranças que no seu tempo e do seu próprio jeito conduziram a luta contra o racismo a partir do engajamento coletivo de suas comunidades na defesa do tão sonhado mundo de liberdade.

Defensora das grandes causas: negra, juventude, mulheres, quilombolas, indígenas, LGBT, religiões de matrizes africanas e de todos os oprimidos, Iêda mescla os saberes captados da ativista Angela Davis, de Mãe Ilda Jitolú, Mãe Beata de Iemanjá, Mãe Stella de Oxóssi, do artista Nelson Inocêncio da – “Consciência Negra em Cartaz”, dos poetas Jônatas Conceição, Lande Onawale e Cidinha da Silva e da jovem cantora de hip hop, MC Sofia, para fortalecer a consciência negra.

No caminho da militância e na certeza de ser movimento negro, Iêda tem participado de importantes momentos da luta recente pela verdadeira cidadania da população negra brasileira. Esteve na organização da Marcha Zumbi contra o Racismo e pela Vida, em 1995, um marco para a história da cidadania negra no país. Em 2005, na Marcha Zumbi + 10.  E com o movimento de mulheres negras ocupou Brasília, em 2015, para a Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver!

“Em um país racista como o Brasil, estruturado a base das desigualdades raciais, onde a cor da pele define o seu lugar na , não nos resta alternativa que não seja lutar, lutar de todas as maneiras possíveis”, diz Leal, que enfrentou muitas situações de discriminação e de racismo. Em 2009, recém-eleita presidenta do Sindicato dos Professores de Goiás (Sintego), lá estava ela comandando uma assembleia dos servidores da Rede Municipal de Ensino em Goiânia quando alguém, incomodado por sua liderança negra, não se conteve e em voz alta comentou: “O que é que essa preta está fazendo aí?”

Anos antes, em 2003, enfrentou toda a intolerância da sociedade goianiense organizando um grandioso “Abraço Negro” no Parque Vaca Brava, onde estava acontecendo uma exposição de esculturas dos Orixás.  Os racistas de Goiânia haviam se mobilizado para retirar a exposição, e ela, juntamente com os integrantes do Centro de Referência Negra Lélia Gonzalez e do MNU, articulou e mobilizou mais de 2000 estudantes para, no Dia da Consciência Negra – 20 de novembro, abraçar os orixás gritando: “Racismo é crime! Exigimos respeito!”ie3

Pergunto à Iêda se tem consciência de quando e como se tornou essa importante dirigente sindical brasileira – só no Sintego foi duas vezes presidenta, duas vezes vice, é atualmente tesoureira, e ocupa também a Secretaria de Combate ao Racismo da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).

A resposta surpreende: “Eu nunca me preocupei em ser liderança ou não. O que eu sempre quis, desde criança, foi saber mais para contribuir mais. Eu sou de uma família grande e em nossa casa, com seis filhos, sempre houve muita conversa, muita discussão. Mas o que me moveu mesmo na direção dessa luta coletiva foram os professores e professoras fantásticos que passaram por minha vida nos meus anos de formação. Foram eles e elas que me mostraram a educação como caminho para enfrentar o racismo e lutar por um mundo melhor”.

E essa educadora engajada, cujo de cabeceira é “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, cujas 952 páginas traçam um importante perfil da vida do negro no Brasil colonial, começou bem cedo a transformar a realidade da educação nas escolas onde ensinou. Em 2002, quando a Lei 10.639/2003 não existia ainda, a jovem diretora da Municipal Evangelina Pereira da Costa, em Goiânia, já incluía ações de combate ao racismo no projeto pedagógico. Ali, todas as turmas do Ensino Fundamental já discutiam a história e a africana e afro-brasileira, em um processo coletivo que envolvia alunos, professores, escola e comunidade.

Para a professora que começou a trabalhar ainda estudante e quase menina, devia ter entre 14 e 15 anos, dando aulas para substituir a irmã Iara em uma escola perto da própria casa, a profissão de educadora foi escolha política assumida conscientemente. “É a partir da Educação que posso formar jovens para a luta contra o racismo e envolver mais gente nessa grande tarefa que é de construir um projeto para a nação com um olhar na tradição africana que tem como fundamento a realização coletiva”.

Por fim, também pergunto à Iêda, conhecida por ser dura quando necessário, porém sem nunca perder a ternura, sobre o que a faz feliz. Sem vacilar, reponde: “A militância. É bom me sentir envolvida com os temas que fazem meu coração pulsar. Eu não sei se seria feliz sem isso”. E acrescenta: “Pra mim, é uma felicidade imensa ter filhas que militam comigo, ter uma família de luta, e estar junto com amigos e amigas, construindo uma sociedade que respeita as diferenças, justa e racialmente democrática!”.

Então, para 2018, a maior realização será: “Avançar na defesa dos direitos humanos e organizar os 40 anos do MNU. Essa será minha forma de honrar as pessoas de luta que nos guiaram com sabedoria, coerência e inteligência até aqui. É por isso que todos os dias quando me levanto eu agradeço por estar viva, porque tive um pai fantástico e tenho uma mãe que aos 80 anos ainda me orienta, e por ter merecido a confiança do MNU para conduzir a nossa luta. É minha responsabilidade tocar adiante essa caminhada: os passos vêm de longe e me inspiram a seguir contra o racismo sempre”.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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