A Religiosidade Católica em meio às novas linguagens em Alto Paraíso de Goiás 

ALTO PARAÍSO: A RELIGIOSIDADE CATÓLICA

A Religiosidade Católica em meio às novas linguagens em Alto Paraíso de Goiás 

A transformação do mundo está sendo desesperadoramente rápida. No meio deste turbilhão de mudanças caminha vagarosa, mas sem deixar de seguir o seu curso, a Igreja Católica, a qual enfrenta desafios religiosos e culturais constantes seja na sua instituição mundial, seja naquela presente nas comunidades locais. um  desafio não menos importante é o da linguagem em seu significado amplo.

Por Padre Joacir S. D´Abadia

Os desafios das comunidades locais ficam latentes na vida de um povo. Na cidade de Alto Paraíso-GO, por exemplo, os primeiros moradores, chamados Nativos, tinham como meio de transporte o cavalo, o burro e o jumento. Muitos desses animais é que faziam a conexão dos moradores entre as comunidades rurais e a cidade que nascia. Da mesma forma, aqueles camponeses tinham como uma das principais atividades rurais a criação do gado que servia para o consumo humano, para também fazer o queijo, vender o  leite, e até mesmo o estrume depois de curtido era usado como adubo, o famoso esterco.

Tem muitas outras utilizações do gado e do cavalo na atividade rural. Com o passar do tempo, foi construindo estradas, alguns desses camponeses foram morar na cidade, porém não perderam seu laço cultural rural. Assim, na cidade, esses mesmos homens e mulheres  que se viam no desejo de ter uma maior integração entre sua vida presente e sua história, eles continuam tendo suas terras. Portanto, não raras são as vezes em que se enxerga no perímetro urbano algumas pessoas andando a cavalo.

Ao chegar naquela cidade, aqueles homens se depararam com um mundo totalmente diferente do que aquele em que eles viviam na comunidade rural. Na cidade, eles encontravam-se com pessoas que tinham muito dinheiro e que não se importavam em pagar 3, 4, ou até 5 vezes o valor de um lote, fazendo com isso as coisas se tornarem muito caras.

As moradias populares precisavam ser nos bairros mais afastados, iniciando, assim, a primeira expansão do denominado setor Paraisinho, onde se acolhia pessoas vindas de vários lugares. Nesse mesmo interim, os Nativos começaram a ver os Alternativos, hippies e outros tantos grupos levarem para Alto Paraíso uma nova linguagem e outro conceito de vida.

Foram implantadas as festas com músicas eletrônicas, onde com facilidade se podia ver o trânsito de bebidas alcoólicas com teor de álcool muito forte; as drogas chegaram também com o aglomerado de pessoas oriundas de todas as regiões do país e até do exterior, instaurando na região uma ideia: “aqui a droga é liberada.” Essa infeliz concepção tem introduzido muitas famílias ao verdadeiro calvário do sofrimento com seus filhos viciados em múltiplas drogas.

A linguagem proposta era de uma cidade ecológica, que viveria do orgânico, com pessoas vegetarianas e outras veganas. Esse tipo de linguagem foi implantado no dia-a-dia dos Nativos. Eles, todavia, ora por outra precisavam perguntar o que é “ecológico”, “orgânico”, “vegetariano”, “vegano”. Muitos outros tipos de linguagem foram apresentados para os camponeses que haviam feito a experiência do êxodo rural.

Além da linguagem, os camponeses tiveram que conviver com outros valores que afetavam diretamente sua cultura espiritual. Começaram a ouvir dizer sobre “pai de santo”, “místico”, “guru”, “pajé”, “sacerdotisa”, “Iemanjá” e muitos outros. Com alguns desses nomes, também puderam aprender a falar de “chacrona”, “mariri”, “daime”, “santo daime”. Aprenderam a pronunciar os nomes “Hare Krishna”, “sal baba”, “lama”, “Prem”, “Osho”. Com isso, ouviram dizer: “mantra”, “monges”, “ashram” (observação: aqui foram usados os nomes como se escuta, não se levando em consideração a grafia correta).

Contudo, o povo Altoparaisense sempre foi de muita fé. Fazia as rezas, em Latim, em homenagem aos seus santos de devoção. Reuniam-se nas folias do Divino Espírito Santo e dos Santos Reis para pagar as promessas; se organizavam em comitivas para participar das Romarias: “”Pedra Preta”, “Forte”, “Ouro Minas”, “Cor Mari”, “Ema”, “Vão de Almas”, “Capela”, “Muquém”, “Trindade”, “Aparecida”, “Bom Jesus da Lapa”, etc.

Para essas manifestações religiosas, eles iam montados em suas tropas,  carregando suas cargas. Até mesmo os primeiros padres que atenderam Alto Paraíso iam a cavalo de Cavalcante-GO fazendo as “Desobrigas.” Na atualidade, algumas pessoas ainda vão para as romarias montadas em seus animais. Por exemplo, alguns dos moradores da Comunidade Bandeira vão para os Festejos do Forte a cavalo. E em todas as romarias se tem esse mesmo costume de, uma vez ou outra (passam em vários jornais)  as comitivas de carros de bois irem para o maior santuário do Centro-Oeste, o “Santuário do Divino Pai Eterno” em Trindade-GO.

Então, o que a Religiosidade Católica representa para a cidade é tudo isso, para que se viva essa memória cultural e espiritual. Não se pode violentar a cultura espiritual de um povo enterrando seu passado religioso e cultural para dar voz às gratuitas linguagens sectárias que insurgem no meio do povo com a tentativa de fazer calar anos de história com o sagrado. Para desvalorizar o iminente da vida de fé de um povo culturalmente estabelecido, faz-se necessário desconstruir suas raízes, seus hábitos, suas culturas, suas festividades, seus espaços de manifestações de suas atividades religiosas. Que as linguagens circulantes na vida da Igreja universal não tirem da vida dos fiéis o gosto de viverem sua fé.

Cultura Festa do Divino Deus Alto Travessia Ecoturismo

Festa do Divino Deus. Foto: Travessia Ecoturismo

ANOTE AÍ:

Joacir filósofo

Padre Joacir S. D´Abadia – Pároco de Alto Paraíso de Goiás. Filósofo. Escritor. Articulista. Especialista em Docência do Ensino Superior.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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