João Guimarães Rosa e o Cerrado
Miguilim apeou para verter água, debaixo de um pau-terrinha. Gavião e urubu arrastavam sombras. Vez em quando a gente ouvia também um gró de papagaio. O cerrado estava cheio de pássaros.
Por Romulo Andrade
No alto da maria-pobre, um não cantava, outro no ramo passeava reto, em quanto cabia: era o alma-de-gato, que vive em visgo de verdes árvores. Saluz e Miguilim saíam num furado, já se escutava o a-surdo de boi. – “Miguilim, pois então aboia, vou mesmo fazer uma coisa só para você ver como é…”
Aí, enquanto Miguilim aboiava, o vaqueiro Saluz desdependurou o berrante de tiracol, e tocou. A de ver: – “Eh cô!…” “Huuu… huuu…” – e a boiada mexe nos capões de mato.
– meios olhos, perante o refulgir, o todo branco.
Acontecia o não fato, o não tempo,
silêncio em sua imaginação.
Só o um-e-outra, um em-si-juntos,
o viver em ponto sem parar, coraçãomente:
pensamento, pensamor.
Alvor. Avançavam parados, dentro da luz,
como se fosse o dia de Todos os Pássaros.
Manuelzão e Miguilim, Campo Geral. Substância, conto de Primeiras Estórias
Romulo Andrade – Professor. Textos de Guimarães Rosa sobre o Cerrado publicados em sua página no Facebook.
Biografia de Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG), em 27 de junho de 1908. Filho de um pequeno comerciante, mudou-se para Belo Horizonte em 1918, para dar continuidade aos estudos.
Formou-se em Medicina, em 1930, e exerceu a profissão em cidades do interior mineiro, como Itaúna e Barbacena. Durante esse período, publicou seus primeiros contos na revista O cruzeiro e estudou, por conta própria, alemão e russo.Guimarães Rosa é uma figura ilustre da literatura brasileira.
Versado em nove idiomas, Rosa ingressou na carreira diplomática em 1934. Foi cônsul-adjunto em Hamburgo, na Alemanha, até o fim da aliança entre os países durante a Segunda Guerra Mundial, o que o levou ao cárcere em Baden-Baden em 1942. Depois de solto, tornou-se secretário da embaixada brasileira em Bogotá, e então conselheiro diplomático em Paris. De volta ao Brasil, é promovido a ministro de primeira classe.
Em 1963 é eleito, por unanimidade, membro da Academia Brasileira de Letras. Foi também representante do Brasil no II Congresso Latino-Americano de Escritores e do Conselho Federal de Cultura, em 1967. Morre no Rio de Janeiro, em 19 de novembro desse mesmo ano, vítima de um enfarte.”
Fonte: Brasil Escola