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Juíza Kenarik Boujikian, em carta a Lula: “As razões estão cada vez mais claras”

“Caro Presidente Lula,

Bom dia!

Minha carta não chegará a tempo de ser entregue pelos amigos que estão em Curitiba, nesta data. Fiz uma confusão em razão do fuso-horário (estou muito longe, em Fiji). Mas, mesmo assim, resolvi escrever.

Ocorre que as palavras estão fugindo. Não consigo sintonizar a caneta na mão, com a cabeça e o coração, que está partido e muito pressionado com tantas injustiças pelas quais está passando e, por consequência, também o povo brasileiro.

O pior, para mim, que fui juíza por 30 anos (dia 08 de março foi meu primeiro dia de aposentada como desembargadora do TJSP), é saber que muitas das injustiças foram realizadas pelas mãos do Poder Judiciário.

O objetivo de parte deste sistema perverso foi alijá-lo da disputa eleitoral, fazendo uso deturpado dos mecanismos legais.

As razões estão cada vez mais claras para população. Basta ver alguns exemplos do que estão fazendo com o país: o destino do pré sal; o congelamento do orçamento; as propostas na área da educação; agora, a base de Alcântara; a vexatória coluna abaixada de um presidente brasileiro, para o presidente dos EUA; a proximidade geográfica com o maior produtor de da América, a Venezuela; o ataque ao projeto da Previdência Social para dar lugar à previdência privada; o projeto ‘anticrime’ de Moro, da maior mediocridade vista, pintada ridiculamente como a salvação, o que constrange, pois é certo que o resultado seria o oposto, como exemplos de nossa recente demonstram; a assunção de cargo no Executivo de seu julgador).

Mas, presidente Lula, na verdade não queria escrever. Queria era ouvi-lo.

É vergonhoso que tenhamos um Judiciário que não lhe permite falar.

Ao invés de lhe dar as garantias , passa a subtrair seus direitos.

Ao preso não existe a possibilidade da sanção de ter a palavra cassada. Esta pena não se encontra no ordenamento jurídico, mas isto não lhe foi assegurado, até o momento. Pelo contrário, sua palavra foi interditada, até nos momentos de maior dor.

E a imprensa, no que diz respeito à liberdade de expressão e , está muda, de braços cruzados.

Não há algo mais simbólico: calar o presidente. Não deixar que seja visto como ser humano que é e que emociona pela alegria que tem em construir um país mais justo e digno.

Caro Presidente, estive em São Bernardo do Campo no dia anterior à sua apresentação em Curitiba. Só o tinha visto uma única vez, na casa do amigo João.

Alguns não compreendem meu gesto. Naquele dia, eu fui para a reunião da ABJD [Associação Brasileira de Juristas pela Democracia] e queria, de algum modo, hipotecar minha solidariedade e registrar minha indignação com a decisão do STF, que não poderia ter aquele resultado, numa análise das declarações e decisões anteriores dos próprios ministros.

Existem pessoas que não entendem um simples gesto solidário.

Mas, voltando, o povo já diz que a mudança da decisão foi proposital, e concomitantemente temos um decréscimo significativo da confiança que a população tem no sistema de justiça. O índice de confiança (ICJ), medido pela Fundação Getúlio Vargas, mostra que está em decréscimo para o Judiciário e em grau maior para o MPF. Acho que é forçoso reconhecer o descontentamento do povo com nossas instituições.

Sou uma pessoa que se move pelos sonhos e luto por eles. Espero, com todas as minhas forças, que o STF retorne o seu papel de garante dos direitos fundamentais e que o sentido de trânsito em julgado seja retomado, na decisão definitiva, nos clássicos conceitos que sempre nortearam meus bancos escolares e nos deles.

Presidente, quero muito ouvi-lo e vê-lo, assim como milhões de brasileiros e brasileiras que aqui o aguardam.

Registrei a Vossa Excelência naquele dia de São Bernardo do Campo que a injustiça é um dos piores sentimentos que uma pessoa pode passar, e isso tudo está causando muita dor, mas devo dizer que gerou muita solidariedade e reflexão.

Há um sentimento que ultrapassará a injustiça. Creio que seja o amor pelo outro .

Quando Papa Francisco me perguntou como avaliava os últimos períodos do Brasil, mencionei minha frustração com as questões e problemas ambientais. Disse que o fantástico foi tirar milhões e milhões de pessoas da linha da miséria, em um período curtíssimo de tempo, levando em conta que temos mais de 500 anos de história.

Portanto, podemos  concretizar o projeto do Brasil, que está na Constituição. Podemos apagar da história da humanidade a morte real, diária, pela fome, que está acontecendo neste exato instante que eu escrevo. Já pensou? Ninguém mais vai morrer de fome no Brasil e no mundo!

Presidente Lula, você mostrou que isto é possível e nem precisa de tanto assim. As pessoas não se sentiriam melhor em saber que não haverá  se acabando até a morte por não ter o que comer?

Presidente, faço parte de uma associação (Juízes para a Democracia) que foi criada pós-88 e objetiva contribuir para tirar o projeto de país insculpido na Constituição Federal para a realidade, para a vida.

Vamos continuar, sonhando juntos .

Uma pessoa que assumiu o projeto de acabar com a miséria tem o maior sentimento do mundo: o amor pela humanidade.

Deixei no dia da vossa apresentação, lá em São Bernardo, a pequena pomba da paz, que eu usava desde que estive com Papa Francisco, por ele abençoada. Sei que está em melhores e mais adequadas mãos. Acho que, de algum modo, é símbolo de proteção.

Presidente, ainda que esteja há quase um ano na prisão, o senhor construirá a paz. Estamos te aguardando. Até breve, e um forte abraço de conforto, carinho e admiração.

Kenarik Boujikian, cofundadora da Associação Juízes para a Democracia, desembargadora TJSP (aposentada).

Kenarik Boujikian está aposentada desde 8 de março de 2019 - Créditos: Juliana Gonçalves / Arquivo Brasil de Fato
Kenarik Boujikian, cofundadora da Associação Juízes para a Democracia, desembargadora TJSP, aposentada desde 8 de março de 2019 / Juliana Gonçalves / Arquivo Brasil de Fato

A juíza aposentada Kenarik Boujikian, cofundadora da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), escreveu nesta quinta-feira (21) uma carta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na mensagem, ela se solidariza com Lula pelas injustiças sofridas no âmbito da operação Lava Jato e lamenta não poder ouvi-lo: “Sua palavra foi interditada, até nos momentos de maior dor. (…) Não há algo mais simbólico: calar o presidente”.

Ao citar ações recentes do governo Jair Bolsonaro (PSL), a desembargadora aposentada desde 8 de março de 2019 afirma que “as razões [da prisão de Lula] estão cada vez mais claras para população”.

Nascida em uma comunidade de armênios na Síria, Kenarik Boujikian chegou ao Brasil com 3 anos de idade e notabilizou-se como juíza do Tribunal de Justiça de (TJSP), pautada pela defesa dos . A carta escrita para Lula chegará à Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba (PR) nesta sexta-feira (22), um dia após visita de 12 juízes e desembargadores à Vigília Lula Livre. Confira o texto na íntegra:

Fonte dos conteúdos: https://www.brasildefato.com.br/2019/03/21/juiza-kenarik-boujikian-escreve-carta-a-lula-as-razoes-estao-cada-vez-mais-claras/ Edição: Daniel Giovanaz

Lula Livre gibi

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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