Karl Marx, 200 anos: Luta, revolução e paixão

Quando em 5 de maio de 1818, a senhora Henriette Marx, nascida Pressburg, deu à luz seu filho, o terceiro dos nove que teria com seu marido Heinrich, não poderia imaginar que aquela criança seria considerada um dos maiores nomes do pensamento ocidental e que suas ideias seriam referência e inspiração para movimentos libertários não só naquele século 19, mas também em todo o século 20, chegando com pleno vigor ao século 21.

Por Maria Valéria Duarte de Souza

Poucas personalidades históricas despertam tantas paixões e tantas controvérsias como Karl Heinrich Marx. Idealizado por uns e demonizado por outros, Karl Marx foi, acima de tudo, um homem de seu , atento às profundas transformações pelas quais passava o e a Europa em particular.
 
Uma dessas transformações apontava para o surgimento de um novo sujeito político, o proletariado. 
Entre os anos de 1843/44, aquele homem inquieto, que à frente do jornal Gazeta Renana (Rheinische Zeitung) havia incomodado profundamente o reacionário governo da Prússia, exila-se em Paris juntamente com sua companheira Jenny, com quem estava recém-casado.
É em Paris que, em meio a uma intensa agitação , Marx tomará contato com um efervescente movimento operário. Essa experiência lhe causa um grande impacto pois é a partir dela que irá compreender que aquela classe era a protagonista potencial de uma transformação revolucionária muito mais espetacular do que a ocorrida ali mesmo, na França, em 1789.
Porém, essa proletária somente ocorreria quando essa classe potencialmente revolucionária se fortalecesse em consciência e organização, para que assim pudesse assumir o seu lugar na história.
Foi exatamente a esse processo de fortalecimento da consciência e da organização do proletariado enquanto classe que Marx dedicou sua e sua obra e é apenas pela compreensão do alcance histórico desta tarefa que se pode entender a dinâmica de sua atuação política e de produção intelectual.

A produção intelectual de Marx não se caracterizou como um esforço acadêmico. O grande rigor teórico no trato de questões que transitam por várias áreas do conhecimento decorre da necessidade de associar produção intelectual com militância política. Marx jamais se pretendeu um teórico “neutro”; sempre deixou claro que estava a serviço de uma causa; a causa da emancipação de uma classe, o proletariado, o que, por sua vez, representa a emancipação de toda a .

Rejeitando a concepção que toma a produção teórica como um conjunto de princípios assépticos e neutros, Marx rejeita também as concepções panfletárias que nada acrescentam ao desenvolvimento concreto da política. Sob esse aspecto, como em muitos outros, a vida e a obra de Marx se distancia dos que exibem uma falsa rebeldia, bem ao gosto do “contra tudo e contra todos”, mas que, de fato, não apresentam nenhuma alternativa transformadora.

Apologistas da desesperança, as teorias e as práticas de tendência niilista desses rebeldes sem causa conseguem, no máximo, abrir as portas para o medo que está na raiz do fascismo. Assim, Marx incomodou a muitos e continua a incomodar, entre outras razões, por não ser um rebelde vazio, mas por direcionar sua rebeldia para um novo projeto civilizatório no qual a esperança caminha ao lado da luta.

O fato de vincular claramente sua obra a um objetivo político angariou para Marx um grande número de detratores, não só no campo conservador, mas também entre os que se dizem vinculados a projetos progressistas nos marcos do capitalismo. Entre esses detratores, estão os que o apontam como um “malfeitor” que prega o ódio entre as classes, comprometendo uma suposta harmonia social. Existem também aqueles que, com o intuito de desacreditá-lo e à causa política a qual se vincula, consideram-no um ingênuo por cultivar a ilusão de pretender que as massas proletárias possam protagonizar um projeto civilizatório emancipador.

Mas, além dos detratores, há aqueles que, no extremo oposto, incorrem no erro de mitificar a figura de Marx como se fosse ele um ”guru” ou um guia das massas a caminho de sua libertação, o que não poderia estar mais longe da verdade. Marx jamais atribuiu a si mesmo qualquer papel de liderança carismática . Em toda a sua produção intelectual é o proletariado que está no centro do processo histórico. Seu conhecido temperamento de polemista, que o indispôs com não poucos personagens da cena política de seu tempo, era manifestação de batalhas políticas e ideológicas que visavam combater aquilo que, a seu juízo, não contribuía para o fortalecimento da luta proletária.

Passados já dois séculos, o mundo que assistiu ao nascimento de Karl Marx, o mundo no qual ele iniciou sua militância e produziu sua obra, mudou. A classe trabalhadora e o proletariado assumem outras formas na medida em que o próprio capitalismo se modifica.

Diante disso, não faltam vozes para alardear que o pensamento de Marx está superado. Os que assim pensam, ignoram que esta superação somente se dará quando o objeto de atenção intelectual de Marx, a ordem burguesa, também estiver superado. Enquanto isto não acontecer, as categorias de análise com as quais Marx trabalhou para compreender a ordem burguesa seguem como um valioso instrumental teórico para orientar a luta de todos e todas que desejamos superá-la.

Mesmo com impressionantes avanços tecnológicos, a sociedade do capital não conseguiu livrar-se de suas contradições mais intrínsecas. Permanece, ainda que sob outras formas, o cenário que inquietou Marx desde a sua juventude: uma sociedade fundada em um modelo que aumenta sua sem que a pobreza diminua. Marx considerava fundamental entender esse modelo, suas mistificações e suas consequências para aqueles que não têm acesso a esse gigantesco volume de riqueza que é socialmente produzido mas que é apropriado por poucos.

O legado de Marx, porém, vai muito além de sua magistral produção teórica. Em suas biografias vemos que a luta que abraçou atravessou sua vida sob todos os aspectos. A pobreza, a perda de filhos, são fatos que nos dão a dimensão da brutalidade dessa luta, mas que, ao mesmo tempo, mostram que só uma convicção apaixonada poderia ser mantida em circunstâncias tão adversas.

Marx produziu sua obra no calor da vida real; não foi um teórico de gabinete. Sua grande erudição jamais o afastou da luta concreta dos embates políticos. Foram esses embates que alimentaram um impressionante volume de produção intelectual, embora Marx não tenha sido, em seu tempo, o que se poderia chamar de “sucesso editorial”, talvez porque suas análises envolvessem pontos que ainda eram obscuros para sua época, mas que, confrontadas com as realidades do mundo contemporâneo, revelam uma espantosa clareza.

Mesmo aqueles que não comungam de suas ideias admitem que o pensamento de Marx permanece fundamental para compreender nossos dilemas atuais. Isto porque, sem se deixar aprisionar por definições que tentam enquadrá-lo nos estreitos limites departamentais das universidades, Marx realizou a proeza que muitos tentaram mas não conseguiram; aquela que, como disse o escritor e dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, é a maior que se pode almejar: “Marx mudou a consciência do mundo”.

Marx resumo escolar

Fonte: Portal Vermelho

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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