KARLA CAETANO PUBA

KARLA CAETANO: PUBA

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Quando Mani nasceu, foi alegria para o povo. A tez muito alva da indiazinha trazia esperança naqueles dias difíceis, parecia sinal de Tupã

Por Karla Caetano

O temperamento doce da menina, parecia, alimentava a alma daqueles que tinham os corpos famintos de pão naquelas paragens. Não durou a alegria, o brilho dos olhos de Mani foi embora, a tribo toda chorou muito, de nada adiantou.

Para não se afastarem da lembrança da esperança que Mani trazia, sepultaram a menina ali mesmo, no chão batido da oca. Regaram seu berço com suas lágrimas salgadas, temperando de dor e de anseio aquele chão. Anseio de sentir de novo o sentimento que nasceu com ela e que partiu com ela.

Do berço eterno de Mani brotou verde e tímida uma fagulha de novidade. Encantaram-se daquilo e cuidaram do gérmen. Entenderam que daquela forma Tupã trazia a voz de consolo de Mani.

Um dia a terra rachou e espantados vários braços, já enfraquecidos, cavaram e encontraram coisa para eles assombrosa. Mas se vinha de Mani, não podia ser mau agouro. Debaixo da casca terrosa, outra rósea e debaixo ainda, a carne branca. De novo esperança!

Alguém teve a ideia de cozer e cheirar e provar. Descobriram que era pão e de novo tiveram forças. E distribuíram a semente pelo mundo, porque aquilo que traz vida tem que ser compartilhado.

Passaram-se muitos tempos. Um caboclo esqueceu um saco de raízes no leito do rio, o rio subiu e arrastou o saco, que se prendeu a um galho e ficou lá preso por três dias e três noites. De manhã, alguém achou o saco e abriu, não achou que o cheiro era bom, mas como havia fome novamente, reconheceu as raízes e acreditou que se fosse morrer que não fosse do vazio de corroía e doía.

Passou a massa branca e amolecida numa peneira, viu que o mingau era denso, não tinha um tipiti, resolveu espremer num pano, catou os blocos daquele gesso e os desmanchou de novo na peneira, em cima de uma esteira, deixou que evaporasse no sol, enquanto pensava o que faria daquilo, fez mingau e deu aos filhos e  bolos envolvidos em palhas que cozeu na brasa.

E comeram, e o gosto era bom. E esperou que todos morressem, agora sem a dor da fome. No entanto, recuperaram as forças e novamente viveram.

Karla Caetano – donakaetana@gmail.com

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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