Krenak: Um povo indígena duramente golpeado

Golpe duplo sobre os povos indígenas de Minas Gerais

Os povos indígenas de resistiram à ditadura e à intensa colonização na busca de ver o direito brotar e correr a justiça qual riacho que não seca.

Por: Felício Pontes Jr.

Minas Gerais ainda abriga 7 Terras Indígenas, apesar da intensa colonização. São elas: Aranã, Kaxixó, Maxacali, Pankararu, Puri, Xacriabá e . Seus povos resistiram a tudo e a todos. Estes últimos, os Krenak, ainda foram vítimas da ditadura militar.

Coube ao Ministério Público Federal (MPF), através do procurador da República Edmundo Antônio Dias, trazer essa história à tona. Ele conta, numa recente ação judicial, que o governo militar resolveu instalar na Terra Indígena Krenak uma prisão, chamada de Reformatório Krenak, para receber índios desajustados. Eram os anos de 1969 a 1972.

Nesse local, foram recebidos indígenas considerados de mau comportamento e criminosos. A deixou o local a cargo da Polícia Militar de Minas Gerais (PM/MG), por ter se tornado um ambiente de trabalho forçado, tortura, remoção compulsória, espancamento e até “desaparecimento”.

O Reformatório criou a Guarda Rural Indígena (GRIN) – uma espécie de polícia indígena. Na formatura da primeira turma, com a presença do então governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro, houve um desfile. Nele foi exibido um indígena dependurado em um pau de arara. A cena foi filmada. É considerada a única registrada no , mostrando tortura em um evento oficial.

Indígenas de 15 etnias passaram por lá. Um deles, Manelão Pankararu, foi trazido de Pernambuco para ficar detido. Ele informa que:

havia também uma célula que era conhecida como cubículo (…) Eu escutava os índios gritando. Era ali que o índio tomava couro (…) No cubículo havia um pau de arara e também o “cachorro quente”, que era um aparelho que ficava jogando água do teto o tempo inteiro, e o índio fica dois dias numa cela molhada.”

Os indígenas atribuem responsabilidade maior ao capitão Pinheiro (Manoel dos Santos Pinheiro), hoje capitão reformado da PM/MG. O MPF quer sua condenação por danos morais coletivos e a perda dos proventos de aposentadoria. Também são réus na ação judicial a União, a Funai, o Estado de Minas Gerais e a Fundação Rural Mineira (Ruralminas).

Como se não bastasse, o governo ditatorial decidiu, em 1972, retirar o Krenak de Resplendor (MG), onde fica suas terras. O objetivo real era ceder à pressão dos fazendeiros que queriam a terra. O exílio forçado durou até 1993, quando o Supremo Tribunal Federal determinou a nulidade dos títulos de propriedade dos fazendeiros. Ao voltarem, encontraram sua terra devastada. Iniciaram o processo de recuperá-la, sobretudo próximo ao Rio Doce.

Dano ambiental

No início deste século, novo golpe. A construção da hidrelétrica de Aimorés, no Rio Doce, atingiu a Terra Indígena. O povo Krenak não foi sequer consultado, como manda a Constituição do Brasil e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Uma ação judicial fez os responsáveis (Vale, Cemig e Consórcio Construtor de Aimorés) pagarem indenização ao povo indígena.

Em 2015, nova tragédia. O rompimento da barragem de Fundão, da Samarco Mineração (leia-se Vale e a anglo-americana BHP Billiton), em Mariana, Minas Gerais, impediu o povo Krenak de usar o rio – fonte de alimento. Milhares de morreram em frente à Terra Indígena. Foram colocadas cercas de arame à margem do rio.

Nos anos de chumbo, estavam confinados pela ditadura. No século XXI, pelo dano ambiental. O lema da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CEF) 2016 traduziu bem o desejo do povo Krenak: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca.” (Am, 5,24).

Felício Pontes Jr. – Procurador da República, em “Povos da Floresta: Cultura, Resistência e .” Edições Paulinas, 2017.

krenak 660x330 lultimaribattuta.itFoto: lultimaribattuta.it

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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