“Loucurar-se”. Entrevista com Gael Gramaccio

“Loucurar-se”. Entrevista com Gael Gramaccio

“Loucurar-se”. Entrevista com Gael Gramaccio

No de Gael Gramaccio existe uma potência muito grande. Uma manifestação latente de um lugar sombrio do inconsciente. E notem, vale lembrar aqui que não estamos necessariamente colocando um juízo de valor – do que se faz o bem e o mal. 

Por Amanda Olbel / @planetafoda

Mas sim falando sobre forças imprescindíveis para o equilíbrio de tudo o que há. Junguianamente falando, talvez, poderíamos estar considerando nesta colocação, a presença de elementos arquetípicos, como resquícios imagéticos (pictóricos) da memória do .

Devemos considerar também, que em tudo há uma magnetização de opostos e, diga-se de passagem, que se completam entre si. Existindo, dessa maneira, por debaixo das entranhas um lugar em que habita o ‘estranhamento’. Onde as coisas que não são, portanto, ‘belas’, permeiam em suas profundezas. Nem por isso as consideraríamos inválidas, nem tampouco indesejáveis – pelo contrário. Elas se qualificam, desta forma, como necessárias.

E é neste lugar, neste ponto oculto e obtuso, em que caminham os passos de Gael. E adianto em dizer, que: nele há de fato um atrativo.

Nascido na capital de São Paulo, hoje aos 27 anos, artista visual, ator e performer, reside na cidade de Bauru, desde 2006. Estudou teatro e dança por meio de cursos livres no Teatro Municipal da cidade, onde fez parte do grupo “Maquinaria” com o qual tive a oportunidade de apresentar o espetáculo “Loucurar-se” no Congresso de Psicologia da UNESP-Bauru. Além do espetáculo “O inferno são as outras” na Pinacoteca Municipal, tendo também, feito parte da casa cultural Alunte.

É criador da zine RELEITURAS, na qual intercala colagens e textos autorais, com três edições já publicadas. No início de 2020, expôs no Centro Cultural da USP de Bauru a série de colagens “Subconsciente negro” e fez parte da exposição “Bandeiras na janela” durante o festival Fuzuê Tropicália. Agora em, 2021, estreou de forma virtual o espetáculo “A outra Madame Satã” na Virada SP online. Durante as perguntas, foi interrogado a respeito de como se entende, e visualiza, o próprio processo de poética, e respondeu:

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Espetáculo: A outra madame satã. Foto: Joyce Rodrigues

“Tenho uma grande dificuldade de sintetizar minhas ideias, por isso acabo indo pra um lado mais abstrato e subjetivo… na maioria das vezes que eu crio. Eu sei que eu preciso por coisas para fora, mas sinto que é um processo mais de buscas e perguntas do que de respostas. Tentando ser um pouco mais objetivo, acho que minha poética se dá de fato nos questionamentos sobre o que é estar vivo. Sobre processos mentais, sobre impulsos, sobre os lados sombrios que o ser humano esconde, e quais são os caminhos possíveis para fazer com que a não seja um fardo”.

Em relação às suas colagens, nos conta que no geral, não tenho um método fechado de criação para as suas obras. Diz que às vezes, basicamente. se cerca de revistas, e nelas, vai procurando imagens que lhe digam algo: que expressem, mesmo que indiretamente, o que está sentindo naquele momento. Já noutras, tem uma ideia pré-estabelecida e procura por imagens mais específicas.

“Gosto de deixar o processo fluir, assim não se torna apenas uma representação. As obras acabam tendo uma vida própria que vai além do que eu imaginei inicialmente, transcendendo as possibilidades de interpretação. É o que eu gosto de consumir e é como eu tento criar”.

Falando sobre suas inspirações, revela que tem uma curiosidade latente sobre qual é, ou quais são, os impulsos que mantém as pessoas querendo permanecer vivas. E acredita ser por isso que se manifesta, dentro dos meus trabalhos, essa grande quantidade de figuras humanas. E acrescenta:

“Ver gente criando, e mais do que isso: ver gente vivendo é algo que me inspira. Mesmo que às vezes eu manifeste isso de uma forma mórbida”

Completa dizendo também que: “minha família é sem dúvida nenhuma um grande suporte pra mim. Mas ao mesmo tempo, parte dos meus impulsos criativos nasceram de momentos de embate com eles, e de uma discordância que perdura até hoje, todavia, atualmente sabemos lidar de maneira mais amadurecida”. 

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Abertura exposição Subconsciente negro

Percebemos através do registro de seus trabalhos de  e vídeo, que existe uma presença forte de um cenário escatológico – um cenário quase em ruínas -, e que nos transpassa fazer parte de uma preparação sua para adentrar no personagem. Em resposta a isso, nos diz que é um pouco inconsciente de sua parte e que, na maioria das vezes, em seu processo criativo, lhe surgem ideias de destruir para criar. O que nos remete à famosa “Dança de Shiva”, que na hindu, é responsável por uma dança contínua de criação e evolução, destruição e renascimento, envolvendo a totalidade do cosmos e constituindo a base de todos os fenômenos naturais.

“[isso] Tem a ver com o processo de colagem e se estende às minhas outras áreas de atuação. Acho que o inevitável descontentamento com o mundo, e a forma como a tem se construído também me leva a buscar por essas representações mais deterioradas das poéticas e cenários que escolho e, com certeza, isso tudo serve de base para o desenvolvimento das personas que eu encarno. ”

Inclusive um ponto muito interessante em seu trabalho é a escolha das trilhas sonoras de seus vídeos, com uma atmosfera de thriller de terror, que se encaixam junto de cortes e sobreposições de imagens. Sensação de que nós ao observarmos, estamos adentrando em um submundo da “Persona Gael”. Um outro lado do espelho. Justamente nesse lugar inconsciente da “sombra” que o universo carrega, e consequentemente cada um de nós.

[Pergunta] Você se sente expurgando isso pra fora? Tendo essa possibilidade de manifestar esse outro lado da moeda através da arte? De entrar em contato com esse lugar do grotesco? De estranhamento?

[Resposta] : “Essa pergunta me fez voltar há 10 anos atrás, quando decidi que iria mergulhar no universo criativo e me vi encarando minhas sombras como nunca tinha feito antes… Obrigado por me fazer lembrar disso! A ideia sempre foi essa! Trazer à tona essas outras camadas não tão belas que todos nós temos, mas temos medo de acessar, de encontrar o caminho do meio entre bom e o ruim, entre a vida e a morte e entre o bonito e o feio…  Não acho que eu tenha explorado tanto quanto eu gostaria esse universo do estranhamento e do grotesco, mas eu fico feliz por você ter tido essa percepção sobre o meu trabalho porque, ao longo da minha trajetória, eu me podei muito por insegurança e receio de ser mal compreendido”.

Gael Gramaccio 2

Cena do espetáculo Loucurar-se: Foto Fernanda Selva

[Pergunta] : Gostaria também que falasse um pouco mais sobre o Espetáculo “Loucurar-se”, e a concepção por detrás dele, o que em teoria está sendo curado ali?  Uma suposta sanidade sistemática curada pela loucura, dentro de um lugar de libertação expressiva?

“Uma suposta sanidade sistemática curada pela loucura, dentro de um lugar de libertação expressiva” O espetáculo era exatamente sobre isso!

Eu honestamente não sei como complementar melhor…

[Pergunta]: Em “A outra Madame Satã”, que outra é essa de quem você faz referência? O que ela difere da original?

[Resposta]: “A outra, no título desse trabalho, tem mais a ver com a ideia de que a Madame Satã não morrerá, pois, sempre terão outras que vão manter vivo o seu . No desenvolvimento, apesar de eu ser um grande fã da figura que Madame Satã foi, percebi que não tenho nem 1% da força e da coragem que ela teve de ser quem foi no contexto em que ela vivia, então entrei em vários questionamentos sobre como mesclar minhas fragilidades e inseguranças com toda a força e tempestuosidade dela. “A outra” também tem a ver com isso.”

Gael Gramaccio é um artista incrível, e foi nosso entrevistado da semana para o #ArtistaFOdA, seção que tem intuito de dar visibilidade para artistas ao redor do . Para ficar por dentro de seu trabalho, acompanhe em seu perfil @gaelgramm no Instagram. E para os próximos artistas convidados, acesse e siga nossa página @planetafoda, frente de mobilização LGBTQIAP+ da Mídia NINJA.

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Colagem: Crioulo

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Colagem: Necromantica

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Foto do espetáculo O inferno são as outras. Foto: Felipe Lea Plaza

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Performance Na exposição Onde repousam as rosas. Foto: Joyce Rodrigues

Performance IV

Performance_ IV

Fonte: Mídia NINJA


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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