Marginal Derretida: Sobre a Marginal Botafogo em Goiânia

Marginal Derretida: Sobre a Marginal Botafogo em Goiânia –

A marginal botafogo é uma via pública que corta o limite leste do original plano urbanístico de . Desde o fim dos anos 80 é aquela camisa-de-força que envolve o histórico córrego de mesmo nome. Espécie de lacre que sufoca o curso d´água que mais influenciou a escolha do local para a construção de Goiânia.der3

Começou como simpática e inofensiva ciclovia, mas depois virou esse monstrengo perigoso que mata gente no trânsito violento, que produz e solapa orçamentos públicos com recorrentes desmoronamentos.

O urbanista Attílio Corrêa Lima. ao desenhar a nova capital, teve o córrego como um dos importantes referenciais de abastecimento e drenagem para a cidade que surgia. Seus refinados conceitos trazidos da francesa previam o surgimento de uma cidade no brasileiro que representasse o moderno urbanismo que tomava forma no .

Sintomático o jovem urbanista ser contratado em 1933, mesmo ano em que foi escrita a de Atenas, manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas em 1933. Seria a diligência de Attílio um presente dos deuses gregos para o goiano?

Dentre universais conceitos, a Carta de Atenas prezava os elementos água e terra em harmonia plena com as novas tecnologias a qualificar o destino dos homens. O imaginário de Attílio parecia bastante sintonizado com os princípios desse documento. Pensar e construir a nova cidade para pessoas. Como se percebe, era muita vanguarda pra tanta ignorância que se seguiu por sucessivas gestões, e hoje a agonizante marginal retrata um retumbante fracasso.

Nasci há 60 metros do córrego botafogo, parto normal, numa chácara onde moravam meus familiares. Tomei banho no seu leito e bicas d’água que davam vazão aos mantos freáticos cristalinos obedientes à declividade do terreno. Pesquei lambaris e lobós nele. Também retirei barro de seus barrancos pra fazer cinzeiros para meus tios e pais.

Muitas mulheres do nosso subúrbio lavavam suas roupas e filhos no botafogo. Os capins-navalha de suas beiradas alimentavam coelhos e preás que minha tia criava. Quando chovia forte, era aquela festa. Suas águas ganhavam velocidade estupenda, porque ali está o seu perfil mais baixo, próximo do encontro com o ribeirão Anicuns e, mais pra frente, o rio Meia Ponte.

Mas as eram dóceis, acomodavam-se obedientes à e dançavam descontroladas densamente, feito um balé aquático suntuoso, intenso, belo!

E o progresso chegou. A exemplo dos córregos e rios urbanos de , Belo Horizonte e outras, o botafogo mereceu a ignorância em forma de concreto e curvou-se à demanda dos carros. No lugar dos capins-navalha e barrancos de bicas, concreto e asfalto.

Motivações políticas e econômicas orientaram gestões que sufocaram o bucólico córrego, e agora, com as chuvas óbvias da época, o gestor pede socorro diante da fúria de suas águas alimentadas por outras desgovernadas e as do próprio céu. As pistas que compõem a marginal derretem sobre o leito, os carros estão ameaçados ali, e todos se perguntam: o que seria da cidade sem a marginal botafogo?

Respondo: seria!

Aliás, a única solução plausível é aquela que vem sendo adotada nas metrópoles inviabilizadas mundo afora: devolver ao curso do córrego o que lhe suprimiram; remover o lacre que lhe impuseram; humanizar suas margens; incluir gente; criar espaços de encontros e convivência de pessoas; inserir num desenho urbano ativo as belezas que o urbanismo consequente é capaz de produzir; resgatar a urbanidade; cuidar do velho e bom córrego que tantas gerações banhou, devolvendo-o às próximas, enfim!

Ninguém deixará de ter e usar carro por causa de uma marginal derretida.

ANOTE AÍ:

Jornalista.  Comentarista da CBN Goiânia. Membro da Associação Nacional de Transportes Públicos /ANTP.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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