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Maria José da Conceição: um nome de resistência e amor

Maria José da Conceição: um nome de resistência e amor

Hoje o calendário marca tristeza e recordações das vezes que comemoramos seu aniversário, você completaria 59 anos, este é o único dia de todos os anos em que eu tenho certeza que vou sofrer ainda mais de saudades.

Por Maria Letícia M.

Maria José da Conceição nasceu em Sergipe, mas morou boa parte da sua vida em Ilhéus (BA). Desde cedo descobriu a dureza da vida, principalmente para quem nasce retinta. Foi uma mulher de luta, de samba, foi namorada, esposa e viúva. Suas filhas e filhos foram bem criados e, hoje já adultos, lembram-se do cuidado da Dona Maria, que mesmo sendo analfabeta ensinou a todos o caminho da escola. 

Nossa Maria não era santa, mas era boa pessoa, com coração humilde e generoso, ela carregava graça no sorriso. Uma verdadeira jovem senhora, muito vaidosa, dona de uma pele negra retinta e exuberante. Ela que, infelizmente, se foi aos 53 anos, também nos ensinou sobre resistência e amor. 

A história de sua vida é misteriosa, no sentido de que nem filhos, nem netos sabem exatamente o motivo de sua saída de Sergipe ou com quantos anos ela deixou seu lar. Entretanto, outro mistério insolente nos incomodava, mais que todos.  Dona Maria se tornou refém do cigarro desde os seus 12 anos de idade, ninguém sabe o motivo, pois, não dá para explicar o vício. 

A luta contra a desigualdade social

Porém, conseguimos explicar sua evidente vulnerabilidade social e assim como tantas outras Marias, que sofrem os pesadelos de uma sociedade altamente racista e desigual, a nossa Maria passou por horrores desde sua infância e sem saber o porquê, cresceu com muita luta, trabalhou e sobreviveu. Lavando roupa dos “zotos”, limpando casa dos “zotos” e ouvindo muita ‘ladainha’. 

Provavelmente, você não conhece a minha vó Maria, e apesar de sua história ser única, ela segue um padrão horrível que se repete em várias outras histórias e isso você deve conhecer. Histórias essas que muitas das vezes são apenas conhecidas pelo famoso título clichê de “mulheres guerreiras”, sem nenhum aprofundamento dos contextos sociais que a avó ou a mãe estava inserida. Pois, se são mulheres guerreiras, que guerras elas estavam lutando? A guerra contra um sistema omisso e opressor? Esse mesmo sistema que vem marginalizando as pessoas negras a décadas, fazendo muitas dessas pessoas acreditarem que são marcadas desde seu nascimento para serem miseráveis, julgando-se por terem nascido pretos, crespos ou com nariz largo. Nossa vó Maria não era apenas uma mulher guerreira, era uma mulher negra forte, resistente, que enfrentou as adversidades de uma sociedade estruturalmente racista, que só queria ver sua descensão.

Legado de resistência

Sinto que a minha tristeza não é apenas pelo fato de que ela se foi, é porque sei que as mazelas sociais a fizeram sofrer tanto e apenas “tarde” pude reconhecer isso. Não tive tempo de dizer: “Vó, deixe seu cabelo natural crescer, você já o viu? É lindo!”. Mas ela já tinha um ‘Black Power’, mesmo sem saber, sua força era inimaginável e sinto que não tive a chance de dizer isso a ela. Na época, não tive como reconhecer o quanto sua resistência nos ensinou. Sempre lembraremos das boas memórias que nos proporcionou e nunca esqueceremos a dor de perde-la, nenhuma palavra parece apropriada para descrever a falta que uma vó faz. Apesar de toda amargura que a vida lhe deu, nossa vó Maria era doce e nos deixou um legado familiar de resistência e amor.

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Maria José com sua neta mais velha. Fotografia: Arquivo Familiar.

Maria Letícia Marques MenezesMaria Letícia M – Colunista voluntária da Xapuri. Foto de capa: Fotografia/Arquivo Familiar. 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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