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Mariana: Crime ambiental

Mariana: Crime ambiental e crise no sistema de gestão de bacias

Mariana: Crime ambiental e crise no sistema de gestão de bacias

Por  Sandro Ari Andrade de Miranda 
Chamar o rompimento das barragens da empresa Samarco Mineração, em Mariana/MG, de tragédia é um eufemismo. Ou seja, é um mecanismo utilizado para atenuar o tamanho da violência praticada contra a população, animais e todo o ambiente do entorno. Estamos claramente diante de um “crime ambiental” sem proporções, com responsáveis claramente identificáveis, e com uma tendência constante de agravamento, pois toda a lama que matou o Rio Doce em Minas Gerais, já passou pelo Espírito Santo, e segue para os costeiros.
 
Levar a discussão para o seio do imponderável é uma forma de abrir um litisconsórcio processual obrigatório de réus, envolvendo os órgãos públicos responsáveis pelo controle de barragens e as empresas que formam o consórcio de minerária, Samarco, Vale do Rio Doce e anglo-australiana BHP Biliton.
 
Em direito ambiental o imponderável impõe a aplicação obrigatória do princípio da precaução, logo, caberia aos responsáveis pelo empreendimento e aos fiscais, adotarem os mecanismos mais rigorosos de controle disponíveis. A ação deve sempre ser a mais protetiva em favor do ambiente, quando tratamos do princípio da precaução, diferentemente do que ocorre na maior parte das ações de controle ambiental onde aplica-se o princípio da prevenção.
 
Assim, os riscos de construção de represas gigantescas para recebimento do descarte de rejeitos/resíduos minerários à montante de uma bacia que abastece, por baixo, cerca de 1 milhão de pessoas, sem os controles adequados, é uma ação que somente pode ser tratada no campo da irresponsabilidade. Não prever o impacto das mudanças do clima e das crescentes alterações do ciclo de chuvas, também é uma conduta que não merece elogios, e também pode ser considerada como uma grave negligência. Mas voltaremos ao tema mais adiante.
 
Por outro lado, a Samarco, na verdade, é apenas um consórcio das poderosas Vale e BHP, que dividem o seu capital de forma igual em 50% para cada um dos lados. Nem a empresa brasileira, nem a estrangeira são imunes a crimes ambientais anteriores. A BHP Biliton, por exemplo, segundo dados da BBC, respondeu duas vezes por graves explosões de gás em minas de carvão na Austrália. A primeira em 1979, e a segunda em 1986, entre outros crimes que pretendo ficar listando.
 
Já a atual Vale do Rio Doce, por seu turno, tem a sua própria formação de gestão recente com origem comercial questionável, posto que foi objeto de uma operação de privatização na década de noventa, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por 3% do seu valor de mercado, num dos maiores escândalos de vilipêndio ao patrimônio público da .
 
Mas retornando ao sobre o licenciamento de barragens, numa rápida leitura de teses e dissertações no campo da mineração, foi unânime encontrar uma grande vantagem na construção de barragens à montante nos rios para as atividades minerárias: “o baixo custo”.  Já como ponto negativo, também foi unânime a identificação de um problema “o risco ambiental”.
 
Expressões como “liquefação dos sedimentos sólidos”, aumentando a pressão sobre o solo e o risco de deslizamentos e “piping”, passagem de água com partículas de sedimentos por um solo com erosão subterrânea, também são problemas apresentados como comuns. Já todas as demais vantagens também estão no campo da esfera econômica, como melhoria logística e menor aporte de infraestrutura e do custo de implantação.
 
Ou seja, quando tratamos do licenciamento ambiental de barragens à montante da bacia hidrográfica, sempre deve realizada uma ponderação entre os custos da operação e o risco, e não são poucas as vezes em que o primeiro ponto leva vantagem em relação aos demais.
 
Mas ainda haveria uma outra alternativa para a solução dos problemas das barragens. Desde o final do segundo mandato do , temos disponível a Lei da Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334, de 20 de setembro de 2010), cujo objetivo é garantir segurança ao processo de gestão de barragens destinadas à acumulação de água ou disposição temporária de resíduos e rejeitos industriais. Um dos instrumentos propostos pela referida lei é o Plano de Segurança de Barragem.
 
De acordo com a referida norma, desde setembro de 2012 todos, absolutamente todos, os emprendedores deveriam possuir seus planos aprovados.  Mas a realidade é bem diferente da projetada. Conforme levantamento realizado pela Agência Nacional de Águas – ANA entre outubro de 2013 e setembro de 2014, o possui 14.966 barragens, e apenas 165 possuem um plano de segurança aprovado. Isto corresponde, na frieza dos números, a 1,10% das barragens. O relatório da ANA vai mais longe, e destaca que apenas 432 barragens receberam algum tipo de vistoria (fiscalização) em 2014.
 
Ou seja, mesmo que o instrumento de construção de barragens minerárias à montante da bacia não seja o melhor caminho, e que existam mecanismos próprios para o enfrentamento do problema, nenhuma das medidas é observada.
O curioso é que não estamos falando de pequenos Municípios com a sua estrutura administrativa sucateada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas empresas como a Samarco Mineração, 10ª maior exportadora do país, e com o lucro líquido em 2014 de R$ 2,8 bilhões de reais (ou seja, mais de 10 vezes o valor projetado como multa pelo IBAMA para o crime observado na Bacia do Rio Doce).
 
E aí surge mais um elemento que deve ser observado no processo de gestão e bacias hidrográficas. Embora o Agência Nacional de Águas tenha elevado poder para gerenciamento de informações e para restringir o uso das águas, a competência efetiva para o gerenciamento e proteção das bacias hidrográficas é dos Governos Estaduais, os quais também são responsáveis pelo licenciamento ambiental da maior parte dos empreendimentos.
 
Tal informação é sistematicamente sonegada da população que, quando vítima de cobra os Municípios ou, quando vítimas de desastres em maior escala, cobra a União.
 
De acordo com a Lei Complementar nº 140/2011, que regula o licenciamento ambiental no Brasil, quem define, efetivamente, as competências para o controle ambiental de empreendimentos são os Conselhos Estaduais do Meio Ambiente e, muitas vezes, o próprio Ministério Público sonega o direito dos outros entes de exercerem o seu papel de fiscalização, mesmo que subsidiário e suplementar, desconsiderando a competência comum outorgada pela Federal, e dando preferência à nefanda regra da LC 140/2011 que dá ao órgão licenciador a preferência na fiscalização.
 
Ocorre que a má gestão e controle pelos órgãos ambientais estaduais, acaba repercutindo além das suas fronteiras, pois as águas não reconhecem os limites políticos definidos na Constituição. E quando os desastres acontecem (no caso de Mariana, os crimes), todos são chamados a contribuir com as soluções.
 
O caso de Minas Gerais hoje, talvez, seja o mais grave, pois o abriga 48% de todas as barragens existentes em todo o país. Além disso, passou por 16 anos de “choque de gestão tucano”, sob a regência de Aécio Neves e Antônio Anastasia (ambos do PSDB), no qual os órgãos ambientais foram completamente pauperizados tanto em número de pessoal, como em termos materiais.
 
Aliás, não podemos esquecer que foi na gestão dos dois tucanos e atuais senadores mineiros que o empreendimento foi licenciado. E se levarmos o problema para o estado vizinho, São Paulo, administrado por Geraldo Alckmin (PSDB), vamos verificar que a SABESP entregou mais de R$ 4 bilhões de reais como dividendos aos acionistas em 2014, enquanto uma das maiores regiões metropolitanas do planeta sofria pela falta de água nas casas.
 
Em síntese, seguindo o atual regime de omissão dos Estados, responsáveis pela gestão das bacias hidrográficas, sempre haverá risco de que novas Bento Rodrigues (nome do distrito de Mariana que foi arrasado pelo tsunami vindo das barragens da Samarco), e que foi soterrado por um tsunami de mais 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerários, incluindo metais pesados e resíduos tóxicos, podem surgir.
 
Portanto, é mais do que urgente que repensemos a política de gestão de Bacias Hidrográficas no Brasil, medida esta que está associada ao repensar da distribuição de competências federativas em relação ao licenciamento ambiental.
Estima-se mais de 20 anos para recuperar, em parte, a bacia do Rio Doce, sendo que muitas espécies, especialmente peixes e anfíbios, não devem mais retornar ao local. Mantido ao atual cenário, músicas como a belíssima Rio Doce de Zé Geraldo virão apenas peças de literatura e história:
 
“Deposito em suas águas meu grande segredo
Parto pra cruzar fronteiras, engrossar fileiras
Compor meu enredo
Deixo suas margens ricas sob a sombra lírica da Ibituruna
Una, pobre sabiá que perdeu seu canto de frases ligeiras
Por ver se apagar a ilusão ardente
Tão inconsequente da paixão primeira […]”.
 
Mariana: Crime ambiental

Mariana_MG, 05 de Novembro de 2015

Barragem de rejeitos da mineradora Samarco em Germano se rompe e atinge áreas povoadas.

Na foto, o distrito de Bento Rodrigues, o mais atingido pela tragedia.

Imagem: HUGO CORDEIRO

Fonte originária desta matéria: Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais, em Sustentabiliadde e Democracia

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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