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Mario Benedetti: Estamos assim, consternados, raivosos

Mario Benedetti: Estamos assim, consternados, raivosos

Estamos assim
consternados
raivosos
ainda que esta morte seja
um dos absurdos previsíveis.
Dá vergonha olhar
os quadros
as poltronas
os tapetes
pegar uma garrafa da geladeira
digitar as três letras mundiais do teu nome
na rígida máquina
que nunca
nunca esteve
com a fita tão pálida
Vergonha sentir frio
e encostar-se perto do aquecedor, como sempre.Ele nao portaldomagistrado.com .br
Ter e comer
essa coisa tão simples
Abrir o toca-discos e ficar escutando em silêncio
sobretudo se é um quarteto de Mozart
Dá vergonha o conforto
e a asma dá vergonha
enquanto você , meu comandante está caindo
metralhado
fabuloso
nítido
Você é nossa consciência crivada
Dizem que te queimaram
mas com que
vão queimar as boas…
boas novas
A irrascível ternura
que trouxestes e levastes
com a tua tosse
com o teu barro
Dizem que incineraram
toda tua vocaçao
menos um dedo
Basta ele para nos mostrar o caminho
para  acusar ao monstro e seus tições
para apertar de novo os gatilhos
Estamos assim
consternados
raivosos
claro que com o a plúmbea
consternação
nos irá passando
a raiva diminuirá
se fará mais limpa
estás morto
estás vivo
estás caindo
estás nuvem
estás chuva
estás estrela
Onde quer que estejas
se é que realmente estás
se estás chegando…
aproveite enfim
para  respirar tranquilo
para encher de céu os seus pulmões
Onde estiveres
se é que realmente estejas
se estás chegando mesmo
vai ser uma pena que não exista Deus

Mas haverá outros,
com certeza que haverá outros
dignos de te receber…
comandante.

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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