Memórias que guardo de Chico Mendes, meu pai
No dia em que meu pai foi assassinado, eu estava com 18 anos e grávida, esperando Angélica Francisca, a minha primeira filha
Por Angela Mendes
Como a gente não tinha uma convivência contínua, com ele na luta, e eu em Rio Branco, eu achava que talvez não fosse sentir tanto aquela morte anunciada que ele mesmo sabia que estava por acontecer.
Mas quando meu pai morreu foi horrível, e até hoje pra mim não é nada fácil falar disso, porque ainda me toca muito. Foi como se o chão tivesse fugido debaixo dos meus pés. Entrei em um buraco de desespero por não compreender como uma pessoa tão querida como o meu pai podia ser morta daquela forma tão covarde.
O destino separou meu pai de mim muito cedo. Ele se casou com minha mãe em 1967 ou 1968, não sei ao certo, e a situação financeira deles era precária, de extrema pobreza mesmo. Ele já estava envolvido no Movimento, e eles não tinham nenhuma renda. Eles só tinham a mim e à minha irmã, que veio a falecer com 11 meses de vida, devido à precariedade do local onde a gente vivia, muito distante da cidade e sem condição de tratamento médico.
Depois de algum tempo, tive que vir morar com outros familiares em Rio Branco, porque a situação era difícil. Aí meu pai se separou de minha mãe, e o destino nos separou a todos. Mas desde pequena eu sempre tive contato com o meu pai, porque ele sempre vinha me ver quando passava por Rio Branco. Nosso último encontro foi justo na semana do aniversário dele, porque ele veio me ver quando chegou de viagem, antes de voltar para Xapuri. Mas até hoje, a cada momento em que penso, em que falo sobre ele, passo pelo mesmo sofrimento de 34 anos atrás.
Sinto muita falta das nossas brincadeiras, do carinho que a gente tinha um pelo outro, da vontade que a gente tinha de ter uma convivência diária. Nas vindas dele a Rio Branco e nas minhas idas a Xapuri – naquele ano eu tinha passado as minhas férias com ele – a gente foi criando laços muito fortes. A última vez que nos vimos, nossa despedida foi de muito carinho, de muita compreensão e, de repente, pronto: eu descubro que não vou vê-lo nunca mais.
Depois da morte de meu pai, eu me juntei ao Movimento e fui trabalhar no Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), a convite da Júlia Feitoza e da Rosa Roldán, que foram duas pessoas que cuidaram de mim e me deram muita força no momento em que eu mais precisei. No CTA eu trabalhei durante 12 anos, e lá eu pude ter contato com seringueiros de vários lugares. Isso me realizava muito, porque eu ficava próxima das pessoas que participam das mesmas situações e que vivem no mesmo mundo em que meu pai vivia.
Do CTA eu vim para o Comitê Chico Mendes, do qual hoje sou presidente, e onde faço um trabalho que me orgulha muito. Primeiro porque continuo perto das pessoas que foram amigas de meu pai e, segundo, porque lutamos para preservar a memória de meu pai, para que seu legado não seja esquecido.
Todos os anos, no Acre, realizamos a Semana Chico Mendes, de 15 a 22 de dezembro, do dia em que ele nasceu ao dia em que ele morreu, para continuar mobilizando a sociedade, em especial a juventude, em defesa da floresta amazônica e dos povos que nela vivem, porque esta é a luta que resume um pouco dos ideais de e dos sonhos do meu pai.
Angela Maria Feitoza Mendes – Ambientalista. Presidente do Comitê Chico Mendes e Conselheira da Revista Xapuri. Depoimento concedido a Zezé Weiss, para o livro Vozes da Floresta.