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Mercado regulado de carbono sem setor da agropecuária – prejuízo para o Brasil?

Mercado regulado de carbono sem setor da agropecuária – prejuízo para o Brasil?

Especialistas divergem no entendimento sobre a questão. Projeto de Lei que regulamenta mercado foi aprovado em Comissão no Senado e segue para Câmara.

Por Cristiane Prizibisczki/O Eco

A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou por unanimidade nesta quarta-feira (4) o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. A aprovação só foi possível depois de um acordo firmado com a Frente Parlamentar Agropecuária, que apresentou emendas à proposta. A última versão do texto – a aprovada – retira o setor do agro das obrigações previstas no mecanismo.

A notícia gerou reações tanto do lado daqueles que defendem a exclusão da agropecuária do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), quanto daqueles que a condenam. 

Bancada ruralista e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, estão entre os que defendem a exclusão. Os argumentos principais seriam a impossibilidade técnica de medir as emissões reais do setor e a inexistência de experiências de outros países nessa regulação.

Na condenação da saída do agro estão organizações que trabalham com questões ambientais e climáticas no Brasil. O argumento principal para a manutenção do agronegócio na regulação seria seu papel no total de gases estufa emitidos pelo país.

Para entender melhor a questão, ((o))eco ouviu dois especialistas sobre o assunto no Brasil. A eles foi feita a seguinte pergunta: “A agropecuária deveria entrar no mercado regulado de carbono?” Confira as respostas:

NÃO

“Primeiro, não tem nenhum país ou bloco do mundo cujo mercado de carbono tem fazenda nele. A Holanda tentou fazer isso daí com as vacas leiteiras e não conseguiu. A Nova Zelândia tentou fazer isso com a criação de ovelhas deles, que são importantes, e não conseguiu. 

Por quê? Porque eu não consigo trocar a vaca por uma vaca elétrica, ou uma plantação de arroz por uma plantação de arroz a hidrogênio. Eu não tenho essa troca. Eu não tenho como eliminar a emissão das fazendas por troca de equipamento, por exemplo.

Então, o mercado não é um instrumento para fazer isso acontecer. Se eu quero reduzir a emissão do agro, eu tenho que achar outros instrumentos, que podem ser econômicos, podem ser financeiros, podem ser leis, podem ser um monte de coisa. Mas não o mercado regulado de carbono.

Eu não tenho um instrumental técnico para medir a emissão de cada vaca e a qualidade de cada pasto. Eu vou ter que usar estatísticas em cima de estatísticas para isso. Fica frágil. Não é a mesma coisa que eu medir a emissão numa chaminé.

Todo mundo que trabalhou na elaboração dos desenhos de mercado de carbono sabe, você não coloca a fazenda dentro desse jeito. Acho que a bancada ruralista está gastando capital político à toa. Até agora, e durante um bom tempo, fazendas não seriam reguladas.”

Shigueo Watanabe Jr – Mestre em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e desenvolvedor de projetos voltados para redução de emissões de gases de efeito estufa desde 2004. Trabalha com a The Gold Standard Foundation apoiando desenvolvedores de projetos e realizando capacitação. Especialista Sênior do Instituto Talanoa

SIM

“O PL aprovado hoje no Senado tinha tudo para ser um dos mais avançados do Mundo. Mas lá no artigo 1º exclui da regulação o setor responsável por 75% das emissões brasileiras – a agropecuária. Resultado: nasceu fadado a ser nanico. 

Nenhum outro mercado de carbono no mundo exclui o principal setor emissor da regulação. Em outros países que tem mercado regulado e não tem esse setor, é porque esse setor não é a principal fonte de emissões. Nos outros países a principal fonte de emissões é justamente os combustíveis fósseis, por isso que eles estão lá. 

Se a limitação fosse, de alguma maneira, a forma de calcular as emissões, isso poderia ser colocado como uma condicionante para entrar no mercado, assim como você tem uma previsão de salvaguardas para não prejudicar setores econômicos. 

A lei é uma lei que autoriza a inserção dos diversos setores da economia [no mercado de carbono regulado], então você poderia ter colocado, por exemplo, que [o agronegócio] só pode entrar no mercado quando tiver os sistemas de monitoramento estabelecidos ou algo parecido, mas não é isso que está ali. 

O que está ali é simplesmente deixar o setor inteiro fora logo no artigo 1º, como se ele não fosse um setor que pode ser regulado, então não é uma questão técnica. 

Aliás, quando é para poder gerar crédito de carbono, ou para provar que você tem redução de emissões, como tem feito, por exemplo, o setor sucroalcooleiro, para justificar o etanol, aí tem como medir, não é verdade?

Se o mercado de carbono é feito para ser um instrumento para reduzir as emissões, então, ele tem que pegar os principais setores da economia. É assim que funciona em todos os países que têm mercado de carbono. Você foca nos grandes emissores, nos setores e nos agentes grandes emissores.”

Tasso Azevedo – Engenheiro Florestal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), coordenador geral do MapBiomas e do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Foi fundador do Imaflora e idealizador do Fundo Amazônia.

O PL 412/2022 tramitava em caráter terminativo no Senado, portanto, pode ser enviado diretamente para apreciação da Câmara, sem que passe por votação no Plenário. O projeto só irá para votação se houver pedido neste sentido por parte dos senadores.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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