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MERCÚRIO EM INDÍGENAS E PEIXES NA TERRA YANOMAMI

ESTUDO REVELA CONTAMINAÇÃO POR MERCÚRIO EM INDÍGENAS E PEIXES NA TERRA

A grave sanitária na (TIY), em Roraima, ganha um novo e dramático capítulo com a divulgação do resultado do estudo científico “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da na Amazônia: Uma abordagem integrada saúde-ambiente”, na quinta-feira, dia 4 de abril.   

Por Leanderson Lima/Amazônia Real

O , conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entre os dias 4 e 14 de outubro de 2022, analisou quase 300 na região do Alto Rio Mucajaí, nas aldeias Caju, Castanha, Ilha, Ilihimakok, Lasasi, Milikowaxi, Porapi, Pewaú e Uxiú. O resultado mostra que todos os homens, mulheres, , adultos e idosos apresentaram algum nível de contaminação por mercúrio, metal utilizado por garimpeiros na extração de ouro.  

Além dos indígenas, os pesquisadores analisaram 47 exemplares de peixes, de 14 espécies diferentes. Todas as amostras também apresentaram contaminação por mercúrio. De acordo com o relatório, a análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Environmental Protection Agency U.S. EPA (sigla em inglês para Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos).

O ponto de partida para a realização da pesquisa foi um pedido feito pela Texoli – Associação Ninam do Estado de Roraima, que representa um subgrupo Yanomami que vive na região do alto rio Mucajaí, em Roraima. 

“Quando a gente fala de Terra Indígena Yanomami, vem na mente que todos que vivem naquele território são um povo único, homogêneo, e isso não é verdade. O que ocorre é que dentro da terra indígena existem seis subgrupos Yanomami, que falam línguas diferentes. E além desses seis subgrupos Yanomami, existe também uma outra etnia, que é o povo indígena Ye’kwana, que vive ali na região também”, explica o coordenador do estudo, o pesquisador Paulo Basta. 

EFEITOS DO GARIMPO E DA CONTAMINAÇÃO

O cientista aponta os efeitos do garimpo como de curto, médio e longo prazo. A curto prazo é o que se vê nos noticiários: a invasão territorial, a desorganização social, a violência, os homicídios, a violência sexual contra mulheres e crianças; a presença do tráfico de armas, de drogas e bebidas alcoólicas, além da devastação territorial que causa alterações no ecossistema.

No médio prazo, os efeitos passam por questões de insegurança alimentar, o que provoca desnutrição crônica. “A desnutrição compromete o sistema imunológico. As crianças estão mais suscetíveis a terem doenças infecciosas, quadros repetidos de infecções respiratórias, quadro repetidos de diarreia, menos resistência a adoecimento por malária, enfim, tem uma série de consequências”, explica.

Para o pesquisador, a contaminação por mercúrio é apenas a “ponta” de um imenso iceberg. “No contexto da invasão garimpeira dentro das terras indígenas, todo fala do mercúrio, da contaminação do mercúrio, o mercúrio como a primeira palavra de ordem. Na verdade, o mercúrio é só a ponta desse iceberg, porque ele vai provocar danos que vão ser observados em médio e longo prazo”, assinala.

Basta explica os malefícios da exposição crônica e o caminho que o metal pesado percorre no corpo humano. “Uma pessoa se alimenta de pescado contaminado por mercúrio. O mercúrio é ingerido, cai na corrente sanguínea, é distribuído para diferentes órgãos do sistema e vai se acumular principalmente no cérebro, no sistema nervoso central. Esse processo de acúmulo é lento e insidioso, então a cada nova alimentação é um novo pequeno depósito de mercúrio”.

Em adultos cronicamente expostos, o mercúrio pode causar sintomas brandos ou mais graves em três categorias básicas: sintomas sensitivos, sintomas motores e sintomas cognitivos.

“Na parte sensitiva há diminuição da sensibilidade das mãos, dos pés, começa a ter problemas de alteração da audição, alteração da visão, alteração do paladar. Fica um gosto metálico na boca, as pessoas começam a ter problema de irritabilidade, de insônia”, explica. Na parte motora, os sintomas são tremores nas mãos, fraqueza nas pernas, dificuldade de caminhar, dificuldade para realizar movimentos simples como caminhar e até segurar uma caneca ou um talher. 

O grupo mais vulnerável da população indígena, segundo Basta, é formado por mulheres em idade fértil e gestantes. Quando uma gestante come um peixe contaminado e absorve o mercúrio, o metal cai na corrente sanguínea e, por intermédio do cordão umbilical e da placenta, chega no bebê que está em formação. Estudos apontam que as concentrações de mercúrio presente no cérebro do bebê chegam a ser de cinco a sete vezes superiores às encontradas no corpo da mulher.

Ou seja, a contaminação por mercúrio no povo Yanomami começa ainda na fase pré-natal, o que pode levar ao aborto, ao comprometimento da reprodutiva da mulher, além do risco de gerar crianças com má formação, com síndromes neurológicas e paralisia cerebral.

REVOLTA

O presidente da Associação Yanomami (URIHI), Junior Hekurari, diz que a contaminação por mercúrio tem as digitais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Essa é a digital que os ex-presidente deixou no povo Yanomami. Ele não exerceu seu papel de presidente, que era proteger a população. Ele incentivou a entrada de garimpeiros na terra indígena. Hoje o povo está contaminado, os peixes estão contaminados”, declarou ele à Amazônia Real.

Junior diz esperar que o atual governo possa finalmente retirar os invasores da terra indígena. “Queremos que o governo planeje a retirada dos garimpeiros. O governo tem que criar uma estratégia, um plano estratégico. Os garimpeiros ainda estão aqui, espalhados, contaminando o resto dos peixes e a população. Estamos sofrendo, o Estado brasileiro tem que fazer seu papel de proteção aos indígenas”, desabafa. 

O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, reforça que a invasão da terra indígena continua. “Os garimpeiros continuam subindo e descendo, voando de avião e helicóptero. Subindo nos barcos e entrando por outras regiões e comunidades”.  

Dário vê com preocupação o resultado do estudo. “É uma situação difícil. O povo Yanomami está contaminado com mercúrio. A terra está invadida, destruída por maquinários. As crianças tomam água suja, os adultos, as mulheres gestantes. As crianças têm problemas neurológicos, tem criança nascendo sem braço. Isso já está acontecendo”, denuncia.  

Ele vê avanços no governo (PT), mas pede a desintrusão definitiva da Terra Indígena Yanomami. “Algumas coisas não mudaram. Os garimpeiros continuam causando problemas, fazendo ameaças de morte, violando crianças e mulheres. O governo federal precisa retirar todos os garimpeiros da Terra Yanomami, urgentemente”.       

Foto de capa: Divulgação/ © Décio Yokota/Iepé

leanderson lima perfilLeanderson Lima – Jornalista. Trabalhou em veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. Está na equipe de jornalistas investigativos da agência Amazônia Real desde o ano de 2021. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”. Texto editado por limitação de espaço. Acesse a matéria completa.

 
 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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