Cacique Merong Kamakã: Mineradora Vale tenta, mas não consegue impedir sepultamento em comunidade indígena
Apesar de uma ação da mineradora Vale conseguida na justiça impedir o sepultamento, o cacique Merong Kamakã Mongoió, do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, um dos articuladores do movimento indígena, líder da Retomada Kamakã Mongoió, encontrado morto no dia 4 de março, foi enterrado na madrugada do dia 6, na terra ancestral onde vivia, em Brumadinho, na Grande BH, em Minas Gerais.
Por Zezé Weiss
A despedida do cacique Merong só pôde ser realizada na comunidade indígena Vale do Córrego de Areias, porque a decisão judicial, assinada pela juíza federal Geneviève Grossi Orsi, na noite do dia 5, só chegou à comunidade às 9 horas da manhã do dia 6, depois que a cerimônia havia, há horas, sido encerrada, conforme nota de entidades de apoio à causa indígena.
“Previsto para acontecer de maneira respeitosa e pacífica, o ritual indígena foi realizado restritamente entre a comunidade na madrugada do dia 6, uma vez que a intimação que proibia o sepultamento só foi entregue por volta de 9 horas da manhã.”
Em carta, organizações que repudiaram a decisão da Justiça Federal, entre elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), informaram que “no momento da entrega [da intimação], lideranças indígenas, parlamentares e representantes de movimentos sociais prestavam apoio à Retomada Kamakã Mongoió”.
A mineradora Vale justificou a ação judicial argumentando que a região está em disputa judicial. “Defiro […] que seja impedida a realização do sepultamento do Sr. Merong Kamakã, nas terras objeto desta ação, ante a notória controvérsia acerca da titularidade das terras objeto desta ação”, diz o texto da decisão da juíza.
A disputa pelo território entre a comunidade Kamakã Mongoió e a Vale começou há cerca de três anos, quando famílias indígenas deixaram as periferias de Belo Horizonte para ocupar uma área ambiental que anteriormente era uma fazenda de reflorestamento.
Originária da Bahia e representante de uma das seis etnias do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, a comunidade Kamakã Mongoió tem lutado pela preservação de suas terras e pela manutenção de seus ritos funerários tradicionais.
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) disse que a liderança de Merong, que havia manifestado publicamente a intenção de “ampliar as lutas” de seu povo, o colocava em conflito de interesse com grandes empresas locais. O MPI apresentou uma notícia-crime à Polícia Federal, considerando a hipótese de que a morte do cacique possa se tratar “de crime cometido em detrimento de direitos indígenas coletivos”.
Além de liderar as ações em defesa dos direitos de seu povo, o cacique Merong também militava em defesa dos territórios de outras comunidades indígenas, como a Kaingang, Xokleng e Guarani.
PROTESTO
Indignada, representando uma indignação que é também nossa, a deputada federal Célia Xacriabá (PSOL-MG) se manifestou em suas redes sociais, por meio de um vídeo, criticando a decisão da justiça:
“Negar o sepultamento [do cacique Merong] ataca não só nossos direitos humanos fundamentais, mas também os direitos indígenas garantidos pela Constituição Brasileira e por pactos internacionais. […] Esse pedido pela Vale é uma ação criminosa, quando entendemos que ele já sofria processo de ameaças aqui. […] É absurdo tentarem reprimir o luto da família de Merong!”
Em nota encaminhada à reportagem da Rádio Nacional, um dos veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Vale disse reiterar o pesar pela morte do cacique Merong Kamakã e respeitar “os povos indígenas e seus ritos de despedida”. Também disse que “busca construir uma solução com a comunidade que preserve suas tradições, dentro da legalidade”.
Infelizmente, ações judiciais falam mais do que notas de pesar. Toda força e toda solidariedade ao povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, à comunidade indígena Vale do Córrego Areias e à família do cacique Merong Kamakã.
Zezé Weiss – Jornalista. Editora da Revista Xapuri. Foto: Divulgação/ Alenice Baeta.