MNU: 40 anos de luta contra o racismo

MNU: 40 anos de luta contra o

reagir, re(sobre)viver, descolonizar para real democracia

Por Iêda Leal de Souza –

Em junho, mais precisamente a dezoito de junho de dois mil e dezoito, o Movimento Negro Unificado completará quarenta anos desde a sua criação. O lançamento público foi no dia 7 de julho, numa ato contra o racismo nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo.

Faz quarenta anos que a bandeira amarela do MNU tremula, não tão somente nas escadarias do Teatro Municipal, mas em todas as unidades da Federação, em todas as capitais dos estados brasileiros. E nesses quarenta anos de luta, nós procuramos olhar para frente, para os desafios postos às conquistas que perseguimos, mas também olhamos no retrovisor: qual era o mote da nossa luta lá em 1978, qual era a nossa narrativa, qual era a nossa discussão, quais eram as denúncias que nós oferecíamos ao Estado brasileiro, a partir das nossas manifestações nas ruas, nas escolas, nas várias ações que procurávamos empreender, contando sempre com a necessidade de construir uma ampla aliança com os outros segmentos do movimento negro no Brasil? E quando olhamos para o passado, observamos que o nosso eixo de lutas é exatamente o eixo de lutas que nós referenciamos hoje.

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Em 1978, nós estávamos dentro de uma grande , por que o Estado brasileiro agudizava o regime militar, que registrava dez anos de A.I.-5. Em 1978, nós tínhamos a convicção de que a luta contra o racismo e a discriminação racial nesse país, só teria êxito quando nós reconhecêssemos que o Estado Brasileiro é racista. Não era tão somente pensar a sociedade brasileira como uma sociedade racista, mas também denunciar um Estado que não só não cumpria a sua prerrogativa Constitucional de proteger, preservar os interesses e a vida plena de negros e negras, mas, mais do que isso, era preciso identificar que a omissão do Estado Brasileiro redundava em situações que incidiam diretamente na baixa qualidade de vida, sobretudo do negro do nosso paíHoje, em 2018, nós não vivemos propriamente a ditadura militar,  mas temos uma democracia golpeada, fortemente golpeada, pelas mesmas classes burguesas, pelas mesmas elites, em sua maioria homens ricos e brancos, que se empoderaram e põem em curso uma alternativa zero para a maioria da população trabalhadora, para a maioria dos negros e negras.MNU no Ato 130 anos de Abolição sem Reparação, em Madureira, no Rio de Janeiro, 12.5.18

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De 1978 a 2018, portanto decorridos quarenta anos das lutas empreendidas pelo MNU, desde aquele contexto de retomada da luta racial do Brasil, vimos mais que dobrar a população brasileira; vimos mais que dobrar o percentual de homens e mulheres que se auto definem, junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como pretos e pardos. Hoje, a cada dez pessoas nesse país, três são mulheres negras. Entretanto, indicadores sociais sobre desigualdade salarial – por exemplo, a pesquisa: “a distância que nos une num retrato das desigualdades brasileiras”, realizada pela ONG Britânica Oxfam, que se dedica ao combate à pobreza e à promoção da –, projetam que nós só vamos atingir igualdade salarial em 2089. Isto significa dizer que em termos de ganhos entre brancos e negros, especialmente entre mulheres brancas e mulheres negras pelo menos, nos próximos 72 anos, nós ainda não teremos remunerações iguais.

 

marcha1995Capa do Documento histórico resultante da Marcha ocorrida em 1995, por ocasião dos 300 anos de falecimento de Zumbi ( Fonte: Irohin)

E no pico da dramática radiografia da sociedade brasileira, o que é mais perverso é que nós somos o alvo principal da violência instalada e agravada com o golpe em curso no país. É a população negra a mais afetada também pela violência, seja a mais sutil ou a mais escancarada. Somos nós os mais vulneráveis ao assédio moral, como afirma o Ministério Público do Trabalho, porque no mercado de trabalho somos os que enfrentam as maiores dificuldades na progressão da carreira.

Por outro lado, o Atlas da Violência, publicado em 2017, revela que em 100 indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, 80 somos nós, homens e mulheres negros e negras. Não é verdade que nós encontraremos uma saída para a destruição efetiva do racismo e da discriminação racial se não fizermos valer, ainda hoje, em 2018, o que fizemos em 1978, o enfrentamento ao Estado racista. Se vivíamos em 1978 o da democracia racial latejante em todos os quadrantes do Estado Brasileiro, vivemos em 2018 ainda o racismo reinventado na veia do próprio Estado quando a chamada grande mídia, exclusivista, racista e também golpista  insisti em omitir nos seus noticiários que atualmente, ainda conforme o Atlas da Violência 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras e na maioria das vezes, em 78,9% dos casos de violentas praticadas sob a mira do Estado Brasileiro, através das suas polícias, quem tomba são os nossos jovens negros e negras.

Não menos alarmante é observar que as mulheres negras são as mais vitimadas pela violência doméstica, de acordo com a central de atendimento à mulher em 2015, 58,68% eram compostos de mulheres negras. E nesse quadro de violências, a prática de feminicídio de mulheres negras também aumentou se comparada às taxas de assassinato de mulheres pela sua condição de gênero entre as mulheres brancas. O mapa da violência em 2015, elaborado pela Faculdade Latino-americana de Estudos Sociais mostra que entre 2003 e 2013, o número de  mulheres negras assassinadas cresceu em 54%, enquanto o índice de feminicídio para mulheres brancas caiu 10% no mesmo período de tempo. São também as mulheres negras as mais atingidas pela violência obstétrica. Segundo dados do Ministério da e da Fiocruz, 65,4% das mulheres atingidas pela violência obstétrica são mulheres negras e pela mortalidade materna, estas representam 53,6%.

 

Marcha Contra a Farsa da Abolição, de maio de 1988, Rio de Janeiro

Os dados sobre a violência contra o povo negro estão em todos os recantos. Quando observamos a situação da população prisional, no Brasil esta representa a quarta maior em relação a todo globo. Nós só estamos atrás da China, da Rússia e dos Estados Unidos, e de acordo com o levantamento nacional de informações penitenciárias, publicado no INFOPEN, mais da metade dos encarcerados são exatamente os pretos e pardos. Ou seja, dos 622 mil brasileiros privados de , mais de 300 presos para cada 100 mil habitantes, são os nossos jovens, homens e mulheres negros e negras.

E é preciso que se diga que a violência física contra a população negra no país, a ela se segue a violência simbólica, que se expressa, por exemplo, na representatividade da população negra, nas artes, na literatura, no cinema, no teatro, no circo, nos espaços de criatividade neste país, que são fomentados pelo Estado Brasileiro. Em relação à literatura, dados de uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) revelaram que dos vários personagens retratados pela literatura nacional, somente 10% dos livros brasileiros publicados nos anos de 1965 a 2014 tiveram como autores homens e mulheres negros. Quando comparamos com o que diz pesquisa semelhante, publicada pela UERJ, no Rio de Janeiro, “a cara do cinema nacional”, homens negros representam apenas 2% do cinema nacional e absolutamente nenhuma mulher negra foi registrada nessa pesquisa como profissional que dirige, portanto por trás das câmeras. Quando olhamos para os nossos roteiristas, observamos através dessa pesquisa que 4% apenas são negros. Isso nos remete a pensar que ainda nas universidades que formam os profissionais nessa área de comunicação, apesar de toda a luta pelas cotas raciais para as universidades públicas, ainda tem um preenchimento mínimo da população negra. Por outro lado, a presença negra, a partir dessa mesma pesquisa feita pela UERJ, ainda está sobretudo associada a papéis voltados à violência e à criminalidade. Dentre todos os filmes analisados, 38% desses filmes, quando remetem a atores e atrizes que interpretam papeis associados à pobreza e a criminalidade, eram atores negros e negras.

Neste momento em que o Brasil vive uma situação semelhante àquela de 1978, a de um golpe de Estado, embora por uma nova modalidade baseada numa legalidade manipulada por segmentos do Poder Judiciário sob o tacão do capital internacional, a crise política arrasta a economia, gerando uma onda de desemprego. E nessa onda de desemprego, os mais atingidos novamente são os homens e mulheres negros e negras. Essa onda de desemprego atingiu com mais força exatamente a população brasileira que hoje representa 63,7% dos desocupados, o que corresponde à 8,3 milhões de pessoas, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio contínua, a PNAD contínua. Significa dizer que a taxa de ocupação de pretos e pardos ficou em 14,6% e entre os trabalhadores brancos o índice alcança menos de 10%. Como efeito, o rendimento médio de trabalhadores negros foi inferior aos trabalhadores brancos: 1,5mil reais para trabalhadores negros e negras e 1,7 mil reais para trabalhadores brancos e brancas.

Diante desse quadro de desigualdades sociorraciais agravado pela violência ostensiva do Estado brasileiro, o MNU, 40 anos depois do seu surgimento, continua sublinhando que o racismo e a discriminação racial nesse país somente serão debelados mediante a ampla mobilização nacional do povo negro na reconstrução, sempre, de novas perspectivas de lutas.

Na nova perspectiva de lutas, hoje, devemos incorporar como eixo a compreensão do processo histórico que resultou na empresa colonial na África e as suas consequências para a continuidade da tradição africana na plataforma diaspórica no Ocidente. A luta de classes, como referida tanto por intelectuais orgânicos como por intelectuais acadêmicos continua na proa da luta pela democracia, mas a democracia só vai ser conquistada, de fato, quando olharmos para dentro de nós mesmos, para o plano das nossas subjetividades recriadas na experiência afro- diáspora nossa e de nossos ancestrais. A destruição, portanto, do racismo em toda a sua dimensão objetiva, mas sobretudo subjetiva deve nos conduzir a uma postura decolonial. Tal postura nos impõe novos desafios… depende  da remontagem simbólica do que fomos no passado longínquo, da análise do que nos transformamos sob o bastão do colonialismo e do que poderemos ser no contexto de um novo pensar, estruturado no reconhecimento, valorização e prática de valores civilizatórios afrocentrados.

de

Pela vida, contra o racismo !

130 anos da falsa abolição sem reparação ! Reaja à Violência Racial !

Contra o Genocídio da População Negra

ANOTE AÍ:

Ieda Leal contra racismo

Iêda Leal de Souza – Coordenadora Nacional do MNU


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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