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Mudanças no clima impõe corrida contra o tempo para espécies da floresta amazônica

Mudanças no clima impõe corrida contra o tempo para espécies da floresta amazônica

Mudanças no clima impõe corrida contra o tempo para espécies da floresta amazônica

Estudo mostra que espécies terão que migrar em velocidade acima da média para acompanhar o deslocamento dos nichos climáticos aos quais estão adaptadas.

Por Michael Esquer/O Eco

As espécies da floresta amazônica deverão enfrentar uma corrida contra o tempo para acompanhar o deslocamento dos nichos climáticos onde vivem diante do avanço – cada vez mais veloz – das mudanças no clima. Estima-se que até 2050 estas teriam que migrar em velocidade muito acima da média global para conseguir acompanhar o deslocamento dos climas aos quais já estão adaptadas. Isto é o que revela estudo recém-publicado na revista científica Plos One.

Publicado no formato de artigo, o estudo, assinado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e do Museu Paraense Emílio Goeldi, estima a velocidade com que as mudanças climáticas avançam sobre as florestas amazônicas – incluídas aquelas inseridas em unidades de conservação (UCs) e terras indígenas (TIs) – nos nove países que as compõem.

O artigo estima que os nichos climáticos onde vivem as espécies na Amazônia serão deslocados, em média, 7,6 quilômetros por ano (km/ano) com o avanço das mudanças climáticas. “Essa é a velocidade mediana com que os climas vão se deslocar para outras regiões no futuro”, explica a ((o))eco o geógrafo Calil Torres Amaral, primeiro autor do estudo. 

Idealmente, as espécies teriam que acompanhar o mesmo ritmo para permanecer nesses nichos climáticos onde já estão adaptadas. Entretanto, a velocidade é quase quatro vezes maior do que o ritmo médio de migração observado na maioria dos ecossistemas e grupos de seres vivos até então conhecidos pela ciência, que é de cerca de 2 km/ano. “Este é o quanto elas precisariam migrar (7,6 km/ano). Se as espécies vão ou não conseguir acompanhar é incerto”, diz Amaral, que é doutorando em Ecologia e Conservação. 

Para chegar a essa estimativa, os pesquisadores dividiram a Amazônia em quadrados de 100 km² e determinaram em cada um destes o seu nicho climático — com base nas quantidades anuais de precipitação e temperatura médias anuais encontradas. Com métricas e modelos numéricos que avaliam os efeitos de mudanças no clima, estimou-se então onde esses “envelopes” climáticos estariam, nessas mesmas condições, em 2050.

“Tendo a distância entre essas duas áreas e dividindo pelo tempo, a gente tem a velocidade climática. Ou seja, em que ritmo e direção um clima está indo de um local para o outro”, explica o pesquisador. “Com isso, estimamos com que velocidade as espécies que estão aclimatadas nessas áreas hoje teriam que migrar para acompanhar o deslocamento do nicho climático”. 

Foto 2 Foto Joao Paulo Krajewski Divulgacao Parque do Cristalino
Parque Estadual Cristalino, em Mato Grosso. Foto: João Paulo Krajewski

Uma incógnita 

A Amazônia é uma das regiões globais com o maior risco de desenvolver, no futuro, condições climáticas sem precedentes – ou seja, até então não registradas –, descreve o artigo.

Se as espécies irão conseguir ou não acompanhar a velocidade das mudanças no clima no bioma, o tempo dirá. Entretanto, o cenário projetado empurra a sobrevivências dessas para uma incógnita. “Existem variadas formas de responder às mudanças no clima. Cada espécie procura a sua estratégia para sobreviver”, diz o geógrafo. 

Se aclimatar as mudanças em curso, se adaptar evolutivamente ou migrar são respostas que podem ser apresentadas. “Mas se a espécie não se aclimata, não tem tempo o suficiente para se adaptar evolutivamente e não é capaz de migrar as distâncias necessárias, ela corre o risco de ser extinta. Mas essa seria a última resposta”, diz o pesquisador. 

Entender o impacto do ritmo acelerado das mudanças no clima em cada grupo de espécie que vive na Amazônia requer estudos. No artigo recém-publicado, a estimativa é do risco climático nas áreas em geral, partindo da premissa de que em cada nicho climático, deslocado pelas mudanças no clima, as espécies presentes estão aclimatadas a ele. “Poderiam ser plantas e animais, mas sabemos que um animal consegue, ele mesmo, migrar em vida. Já a planta precisa que uma outra geração, a próxima semente, avance na distribuição geográfica para que a espécie comece a migrar”, explica. 

Entretanto, a forma como se conhece hoje a biodiversidade amazônica muito possivelmente deve mudar. “Possivelmente não vai ser igual a hoje a composição de espécies, assim como a estrutura das florestas e as funções ecossistemas que elas promovem. Isso tudo vai mudar. Porém, o impacto sobre cada grupo taxonômico (de seres vivos) pode variar muito e por isso caberá a um esforço interdisciplinar dos cientistas a interpretação dos efeitos de um planeta em mudança”, completa.

A nível ecossistêmico, o risco é a perda de funções e serviços fornecidos pelas florestas, como o armazenamento de um grande estoque de carbono e a reciclagem de chuvas. “Se o clima no centro da Amazônia não for mais climaticamente adaptado para muitas espécies, nós poderemos começar a perder funções ecossistêmicas e serviços naturalmente fornecidos pelas várzeas”, exemplifica Amaral. 

Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre. Foto: Marllus de Almeida/WikiParques
Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre. Foto: Marllus de Almeida/WikiParques

Áreas protegidas não estão imunes

Importantes ferramentas de conservação da floresta amazônica, as áreas protegidas ocupam 53,5% do bioma, descreve o artigo. Entretanto, nem mesmo estas estão imunes aos efeitos das mudanças no clima. 

Segundo Amaral, um terço das áreas protegidas da Amazônia, especialmente em seu centro, não devem apresentar climas análogos em 2050, ou seja, nichos climáticos parecidos com os que existem hoje, e para onde espécies abrigadas por essas áreas poderiam se refugiar. Altas temperaturas e mudanças nos padrões de precipitação, sem precedentes no bioma, farão desta região “um envelope climático potencialmente isolado e inadequado para espécies no futuro”, diz o artigo. 

“A gente tem uma condição paradoxal nesse centro úmido da Amazônia Central. Se por um lado, pode ser visto como uma parte muito conservada, por não ser atingido pelo avanço do arco do desmatamento, por outro,  segundo nossa métrica, é uma área que vai perder muito dos seus nichos climáticos atuais.”, diz o pesquisador. 

Compreender o porquê da vulnerabilidade dessa região também requer mais estudos, mas uma hipótese associa isso à sua estabilidade climática. “Esse centro é climaticamente estável, não tem grandes alterações de temperatura anual, de precipitação anual”, explica Amaral. “Como vai mudar, para encontrar um clima semelhante ao que se tem hoje seria muito difícil no futuro”. 

Pesquisador da UFPA, Everaldo de Souza acredita que a força da pesquisa está na proximidade do cenário futuro considerado, o ano de 2050. “Ao extrair uma média de diversas projeções climáticas globais […] e aplicarmos sobre ela uma métrica inovadora que nos informa a velocidade e direção do movimento climático ao longo do espaço, conseguimos classificar cada uma das áreas protegidas em relação ao risco de enfrentarem climas em desaparecimento e climas novos”, diz ele, que é coautor do artigo. 

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Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Cooperação transnacional 

Pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima Vieira também assina o artigo. Segundo ela, as mudanças climáticas impõem novos desafios às estratégias tradicionais de conservação da biodiversidade. 

“Tomadores de decisão e conselhos gestores de UCs necessitam de dados mais personalizados para promover a adaptação de suas áreas. Garantir a relevância e eficácia contínuas da rede de áreas protegidas da Amazônia é um desafio fundamental para a conservação da biodiversidade diante das mudanças climáticas”, aponta Vieira. 

Uma forma de mitigar o impacto do ritmo acelerado do avanço das mudanças no clima sobre as espécies na floresta amazônica seria a formação de corredores ecológicos, que ligassem UCs, TIs e, até mesmo, áreas privadas entre os países. “É preciso pensar a conservação da biodiversidade de forma transnacional. Essas áreas precisam estar conectadas porque as mudanças climáticas e a biodiversidade não enxergam fronteiras. As espécies precisam migrar”, comenta Amaral. 

Tudo para que esse deslocamento da biodiversidade que compõe a Amazônia possa ocorrer com menor dificuldade e risco. “É o que podemos fazer para adaptar a rede de áreas protegidas da Amazônia e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Precisamos estar preparados para elaborar novas estratégias de manejo, específicas para cada área e adaptadas às mudanças no clima.”, conclui o geólogo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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