Mulheres Emancipacionistas: Independência, a outra História

Mulheres Emancipacionistas: Independência, a outra História

Mulheres Emancipacionistas: Independência, a outra

Julgando que sofresse também da conhecida atitude irresoluta do pai, Dom João VI, a princesa Leopoldina torcia para que, naqueles dias de 1821 e 1822, os políticos brasileiros pressionassem um pouco mais seu marido a desrespeitar as exigências e pressões do Parlamento português para que eles retornassem a Portugal.

Daqueles momentos, constam nos anais pronunciamento da Princesa, em que afirmava: “… Pedro não está tão positivamente decidido quanto eu desejaria…”.

Feito Regente em terras brasileiras pelo pai, que retornara à metrópole por exigência de rebeldes da burguesia lusitana, Dom Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Gabriel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon oscilava entre agir de acordo com as demandas das elites agrárias e comerciais da Colônia ou manter-se fiel ao pai e obediente às exigências dos revolucionários portugueses.

Hesitante nas questões políticas, embora firme e determinado nos assuntos amorosos, aquele que seria nosso primeiro imperador teve, na verdade, grandes dificuldades para conduzir o desfecho do longo processo que levou à emancipação do Brasil. Se pôde ele passar para a História como o líder maior daquele processo, está ele a dever ao conservadorismo machista que impregnou desde sempre a historiografia oficial.

Outra História já pode e deve ser escrita, com a dos episódios que foram conduzidos pela princesa e depois imperatriz Dona Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena, talvez a maior responsável pelas desobediências do marido às ordens de Lisboa.

A primeira grande estadista do Brasil fora educada na ilustrada corte de Viena, centro do Império Austríaco. Filha do imperador Francisco II, teve como “tutor” o nobre diplomata príncipe de Metternich, peça importantíssima no Congresso de Viena de 1815. Leitora voraz e estudante dedicada, versada em línguas (latim, francês e italiano), era dotada de amplos conhecimentos em matemática, , história, religião e ciências naturais. Gostava de visitar museus, centros de estudos e tudo mais que pudesse ampliar seus conhecimentos.

Ainda jovem, foi admitida na Ordem da Cruz d’Estrela, instituição que, entre outras coisas, difundia valores como a fé e a honestidade. Casada por contrato com o herdeiro do trono português, cumpriu com esmero o papel político que cabia aos jovens das cortes absolutistas da Europa, como atestam seus escritos de 1817, ano em que chegou ao Brasil para o casamento: “por mais difícil que seja a separação de minha família, meu destino é o Brasil e o cumprirei com prazer o mais rápido possível”.

Mesmo convivendo com os deslizes amorosos do marido, adúltero contumaz, em nenhum momento a princesa estrangeira do Brasil descuidou dos afazeres políticos que competiam a ela e ao esposo ausente. Nos primeiros dias daquele setembro, vésperas da oficialização da Independência, Pedro estava em viagem a São Paulo, ou Santos, terra natal da sua mais ilustre amante, dona Domitila de Castro.

Vendo-se muito pressionada pelas ordens vindas das Cortes de Lisboa, e já esgotada e até envergonhada pela humilhante situação a que eram expostos, o marido e ela, Leopoldina escreve a Pedro – ela e o ministro José Bonifácio. O teor das cartas pouco importa, o fato é que, mais do que a aspereza, a justeza das palavras levou Dom Pedro a decidir-se pelo rompimento.

Mulheres Emancipacionistas: Independência, a outra HistóriaFeita Imperatriz, após a Independência, ela recobriu o Palácio Imperial de São Cristóvão com o manto da honradez e da decência. Se a moralidade chegou em algum momento a permear a do nosso primeiro imperador, isso se deve a ela. Esmagada em seus sentimentos de mulher e mãe pelos desvios do marido adúltero, ferida fisicamente pelas surras do marido canalha, conseguiu fazer-se amada pelo povo, que chorou sua prematura após um aborto que teria sido provocado pela truculência do filho de Carlota Joaquina.

No entanto, é ele o herói da nossa emancipação política. Nada mal para uma nação que cultua Tiradentes como “Mártir da Independência” – um “revolucionário” que morreu trinta e três anos antes da separação, por ter participado de um movimento que nunca eclodiu – a Inconfidência Mineira foi um movimento natimorto. Tiradentes, que teria tido uma filha nunca reconhecida por ele porque a mãe era negra… Ficam bem, Pedro e Joaquim, na galeria dos “heróis” construídos pela historiografia oficial.

A mesma historiografia que aloca em sua galeria a princesa Isabel, mas esconde outras tantas mulheres que lutaram e/ou deram suas vidas às causas políticas e militares em favor da emancipação.

A Guerra de Independência da Bahia, por exemplo, é emblemática nesse quesito. São inúmeros os relatos de mulheres livres e escravizadas, brancas e negras, que teriam participado em combates. A religiosa Joana Angélica, abadessa do Convento da Lapa, foi morta ao tentar impedir a entrada de soldados da tropa portuguesa no convento.

Maria Quitéria substituiu no front um escravo negado pelo pai a um emissário das forças de resistência. A moça saiu de casa com roupas do cunhado para juntar-se aos combatentes da causa nacional.

Menos mal que acabou reconhecida pelo imperador e pela Federação de Futebol da Bahia que já administrou um torneio estadual com o nome do [simple_tooltip content=’Santos, Joel Rufino. O soldado que não era. Editora moderna. SP. 1993.’]“Soldado que não era”[/simple_tooltip].

Essas guerreiras, assim como Maria Bárbara Pinto de Madureira, Ana Joaquina, e outras tantas, estavam do lado de fora dos muros do Palácio Imperial, muito distantes do epicentro das ocorrências políticas, mas lutaram e se fizeram presentes no processo.

Quatro meses antes da declaração oficial de Independência, mais de cento e oitenta mulheres baianas assinaram uma carta em que manifestavam apoio ao Príncipe Regente e endereçaram-na à Princesa do Brasil, Dona Leopoldina. Às mulheres cabia também a difícil tarefa de administrar as situações de penúria próprias das circunstâncias de convulsões prolongadas como aquelas guerras de Independência.

Os cercos levavam à escassez de víveres, e a elas competia prover as famílias com meios produzidos por suas criatividades.

Mas a historiografia ainda não tratou de aprofundar estudos sobre o grande número de episódios em que há evidências claras de participação ou atuação de brasileiras nas mais variadas frentes de todo o processo que culminou com a emancipação política do Brasil.

Talvez Leopoldinas e Quitérias contribuam muito mais para a construção da do que Pedros e Joaquins. A maestrina Chiquinha Gonzaga, carbonária da República; a educadora e escritora Nísia Brasileira Augusta, batalhadora das causas abolicionistas e liberdades de culto e expressão; Patricia R. Galvão, a Pagu, jornalista e ativista política, e muitas outras comporiam com dignidade uma nova galeria destinada à formação da nacional.


fernando_antonio_gelfusoFernando Antônio Gelfuso
Historiador, Professor.

 

Obs.: publicado originalmente em 16 de set de 2015

http://xapuri.info/maria-leopoldina-princesa-da-liberdade-imperatriz-da-independencia/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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