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Mulheres voluntárias formam primeira brigada feminina do Pantanal

Mulheres se voluntariam para formar primeira brigada feminina do Pantanal

Em 2020 o fogo alcançou a Ilha do Baguari, onde só se chega de barco. Matriarca de uma das famílias da comunidade que fica no sul-mato-grossense, a pescadora e artesã Rosely dos Santos Bastos se emociona ao lembrar o que viu.

“Muito triste. Dói até agora falar, lembrar o que aconteceu. De ver bichos, animais mortos. E pensar que se eles falassem que nem a gente, estariam pedindo socorro. E você, sem poder fazer nada.”

Por Mídia Ninja

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(Victor Hugo Sanches – Arquivo Ecoa)

Dentro do que é possível e motivadas por essa angústia causada pelo cenário desolador, é que sete mulheres se uniram para compor a primeira brigada feminina do Pantanal, a Brigada do Baguari. Elas tomaram para si a tarefa de compartilhar conhecimento com os vizinhos, atuar na prevenção do fogo e se precisar, no combate.

Ainda em 2020, foram contempladas pelo projeto de formação de brigadas da Organização Não Governamental, Ecoa – que atua com foco na preservação da pantaneira e também, das comunidades tradicionais e indígenas que vivem no Pantanal -, com apoio da WWF-. Este ano, a brigada também foi fortalecida com apoio do Fundo Casa Socioambiental, que auxiliou na compra de equipamentos de prevenção e combate ao fogo. O PrevFogo, do Ibama, ofereceu a formação.

Rosely, que por pouco não teve a casa tomada pelas chamas, se voluntariou. E junto foram as filhas Aline e Milena Bastos, além da irmã, Rosalina. Mas como Milena teve que trabalhar em Corumbá (MS) e as brigadas precisam ter no mínimo sete pessoas, Rosa acaba de assumir oficialmente o lugar da irmã, para garantir a formação. Completam o grupo as vizinhas Weiny, e outras duas irmãs, Neuzilene de Arruda e Lucila Ramires.

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Rosely, ao lado da filha Milena (Victor Hugo Sanches – Arquivo Ecoa)

Milena, 24 anos, conta que o fogo chegou a 50 metros da casa da família. “A gente usou balde, jogou água. Era o único recurso que tínhamos. Hoje a gente sabe que só água não adianta. Precisamos de equipamentos para proteção e para combate ao fogo. Em algumas situações, a água pode até aumentar o fogo”. Os equipamentos que receberam do projeto da Ecoa ficam guardados na casa da mãe, porque ainda não há uma sede. “Hoje a gente tem capacidade. Não precisamos esperar”. À disposição da Brigada do Baguari estão roçadeiras, bombas hidráulicas, costais, sopradores, rádios comunicadores e dois barcos.

Mas agora as coisas estão diferentes, como relata a irmã Rosa. “Já fizemos o aceiro com antecedência. E se a gente soubesse fazer aceiro antes, acho q não teria chegado à nossa porta o fogo. Ainda não teve fogo por aqui, mas estamos em alerta”.

A mãe, Rosely, conta que no início de agosto caiu granizo no Pantanal, algo que nunca viu antes. “Com certeza que deve ser por conta de . Nunca vi isso nos meus 46 anos de vida. E como resultado, os matinhos verdes queimaram. Então, o calor começou, tem vento forte e já podemos sentir o cheiro de fumaça de fogo nos arredores”.

Rosely conta que o grupo feminino visita as famílias e, quando recebe alguém em casa, sempre ressalta a importância do uso controlado do fogo.

“Não concordo quando dizem que o ribeirinho taca fogo. Imagine só no meu caso, eu vendo iscas. Eu nunca atearia fogo para que elas morressem, não é?”

Ela conta que os períodos de estiagem mais longos, muito perceptíveis por sua vivência, causam também a falta dos peixes. “Em 2020 e 2021 os corixos ficaram secos, este ano, melhorou um pouco. Quando a seca é grande, as baías secam, os corixos… e as cheias são importantes para que os peixes saiam daquele lugar”, explica.

E a brigada das sete mulheres têm apoiadoras importantes na comunidade, como a dona Nilza Arruda, de 61 anos. “Nós precisamos do que em 2020 a gente não tinha. Eu apoio minhas filhas e dou suporte à brigada para continuar crescendo. Eu nasci no Pantanal e aqui eu vivo, por isso tenho que ajudar a cuidar desse lugar que é nossa casa. Eu sou uma das que pediu pela criação da brigada”. Enquanto Lucila Ramires e Nilza de Arruda compõem a brigada feminina, o marido dela faz parte da brigada mista.

Ela conta que os impactos dos incêndios de 2020 são sentidos até hoje, e muitos bichos ainda procuram abrigo.

“O que eu vi foi sofrimento, choro e dor. A natureza perdeu. Vi passarinhos correndo do fogo, invadindo minha casa em busca de abrigo. Macacos gritando. Não quero mais ver aquilo”.

Dois anos depois, muitos macacos buscam sua casa em busca de alimento, porque muitas árvores que eram fonte de alimento para eles foram . “Nós também morremos um pouquinho. Eu vi bicho sendo queimado vivo. O pouquinho que sobrou de vida, juntamos os cacos e graças à Ecoa, formamos a brigada feminina que é para defender o que ainda restou”.

Segundo ela, na paisagem que tenta se regenerar, à primeira vista, algumas árvores estão verdes, mas não porque sobreviveram.

“As árvores grandes morreram todas. Estão verdes, mas são os cipós que subiram nas cascas das árvores. Então tenho medo que venha o fogo, porque esses cipós já vão estar secos, vão queimar e vão varrer o chão. A maioria das árvores e ervas que serviam de remédio, por exemplo, perdemos”. Para ela, uma grande perda, pois a é parte da ribeirinha.

“Espero que não pegue fogo, porque se isso acontecer, vai demorar uns dez anos para recuperar”. Ela disse que ficou revoltada ao ouvir a fala de Jair Bolsonaro, dizendo que ateavam fogo no Pantanal. “Sempre vivi de isca, nunca ninguém na beira do rio tacou fogo. Não é isqueiro, é fazendeiro. A gente vive de isca, de peixe. A gente não quer desmatar, porque isso muda tudo. Peixe some, isca some. E aí vem gente jogar nas costas do ribeirinho”.

À reportagem, fez um apelo: “peça para apoiarem nossa brigada, fale muito do Pantanal e fale que o Pantanal ainda está doente”. A Ecoa tem acompanhado desde 2020, a situação dramática que muitas comunidades pantaneiras viveram. E de lá para cá, tem se dedicado à de formação e fortalecimento de brigadas comunitárias, com recursos do Fundo Casa Socioambiental.

Com apoio de grupos especializados, como Corpo de Bombeiros e PrevFogo do Ibama, o projeto vai radiando para mais pessoas, quando os brigadistas trabalham em seus territórios, a dinâmica de mudança do comportamento de seus vizinhos, em relação ao uso do fogo e de prevenção. Como dizem muitos brigadistas, melhor que ficar de frente para o fogo, é fazer o aceiro.

O projeto já conta com nove brigadas formadas por comunidades tradicionais ribeirinhas, indígenas e composta por agricultores familiares, entre outros grupos em situação de vulnerabilidade, em cinco municípios da planície pantaneira no MS. As mulheres, têm sido essenciais. Quando não é o caso de integrarem brigada exclusivamente feminina, elas integram formações mistas, fazendo a diferença contra o tempo, quando equipes oficiais precisam percorrer distâncias enormes para socorrer moradores. De Corumbá até a Ilha do Baguari, por exemplo, são 3 horas de barco a motor.

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Aline, ao lado da companheira de combate, Weiny (Victor Hugo Sanches – Arquivo Ecoa)

Aline, brigadista voluntária que atua ao lado da mãe, Rosely, destaca que juntas elas protegem o lugar em que vivem. “E assim, preservamos nossa história”.

Confira documentário sobre o projeto de formação das brigadas comunitárias, produzido pela Ecoa:

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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