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NÃO FOI (SÓ) POR AMOR!

NÃO FOI (SÓ) POR AMOR!

Não foi (só ) por amor!

Em memória de grandes amores espalho estes versos. Para Eugênia e Castro Alves, Pórcia e Leorcino, e para o maior referencial de amor, que não conheci, mas de quem tenho ouvido falar desde minhas pioneiras batidas do coração: Enézia Cândida e Jerônimo Pedro Villas-Boas. Para vocês, no além, todo o amor deste e de outros mundos.

Por Iêda Vilas-Boas

I

Dessa vez eu me apaixonei

Não foi por você

Mas pelos seus olhos de absinto

Seus dentes de tigre se abrindo

Seu cheiro de cavalo marinho

Pelo seu sorriso largado

Pela leveza de sua alma dormindo

Pelo seu corpo faminto

Eu – de novo – me apaixonei

Mas não foi por você!

 

II

Punhal

Lâmina fria

Aço cortante

Na carne endurecida

Peleja vivida: ferida.

Força mais que devida

Dilacera, remexe, sangra,

Dolorida: ferida.

Fundo nas profundezas

Não se importa com a saída

Solitária: ferida.

Do peito e da pretendida

Rasga, abre e retira

Desvairada: ferida.

O Coração

Veste o verbo

Palavras doídas

Lavras de tempo perfeito

Nesta cruzada: ferida.

Envolto em palavra certeira

Complexa missiva. Flecha.

Chaga aberta: ferida.

Certeza mais que perfeita

Fino fio da teia

Cortado. Dilacerado. Rasgado

Ah, Essa imperfeita vida!

 

III

Torno

Contorno

Viro

Reviro

Mexo

Remexo

Permaneço

Sou Eva vindoura

Sou Eros latente

Soltando anelos

Cabelos ao vento

Sou flor do Cerrado

Do pé de pequi

Mulher Cerratense

Querendo homem FLor

Cantando desejos

Falando de amor.

IV

Olha, amor!

Rezei preces à Virgem Maria

Apeguei-me com Santas poderosas

A das causas impossíveis, a que desata nós, a que restitui visão aos cegos.

Fui cega. Admito.

Cantei tristes cantigas em Iorubá

Tudo em vão.

Recorri aos Orixás. Devotei-me aos Santos – todos.

Desci além-mar. Subi pedreiras. Banhei-me em cachoeiras.

Acendi velas de cores verde, branca, vermelha e amarela.

Fogo queimou. Pavio apagou.

Nada, amor!

Dancei no afoxé. Ouvi tambores. Enviei clamores.

Nada, amor!

O consolo que me resta é essa grande festa

Que em alvorada desperta devotos e nos envolve em nuvem de fé.

Tento aplacar meu pranto: um quebranto, Banzo.

Faço meu apelo: Divino, Senhor poderoso e querido

Leva de mim minhas dores. Carrega de mim a tristeza. Retira esta morrença

Que amortece filetes esperança. Que entorpece minha mente.

Encharca minha alma doente.

Divino, meu Divininho…Tem piedade de mim

A mais vil das pecadoras precisa de sua proteção

Sem bandeira, sem tradição.

Trago os sonhos rotos… Perdidos em ilusão.

V

Olhos amarelos

Pele amarela

(da cor da terra)

Queimada do sol

Do meu cerrado

Habita em mim

Um ser primitivo

Lobeira, espinhos

Água fria de riacho

Piaba ligeira

Pirambeira

Despenhadeiros.

Vento de agosto

Descendo a campina

Uivando, bailando

Traçando minha sina.

Sou bicho esquisito

Coruja buraqueira

Sou terra

Formiga estradeira

Fátuo de fogo assombroso

Um querer não querido

De que a noite persista.

Sou festa

Sou chuva

Bem-te- vi nas alturas

Eros brinca comigo

E caçoa de mim

Na noite escura

Deixa sorrindo

Maldoso recado:

Fogo-apagou

Fogo-apagou

Fogo-apagou!

VI

Meu espírito brejeiro

Vive dentro de sua boca

Tenta viver de um sopro

Enraizar em suas vísceras

Emendar para sempre

Nossos desalinhados corações.

Meu espírito vadio

Penetrar. Fundir

Seu sangue no meu sangue

Deixar marcas perenes

Como pelas paredes

De Salamanca.

Meu espírito louco

Quer transfundir, transgredir

Amortecer esse cansaço

Encontrar precioso pedaço

Bem no seu peito… Juntinho.

Meu espírito, andarilho

Queria você mais perto

Queria você cativo.

E você, amor, só precisava querer!

Iêda Vilas-Boas – poetisa, escritora, presidenta da ALANEG – Academia de Letras do Nordeste Goiano

NOTA DA REDAÇÃO: O poema de Iêda Vilas-Boas sauda lugares distintos do amor. Utilizando de arcabouços sinestésicos, a operação literária é fragmentada nos sentimentos e na troca de emoções. A obra rococó de Jean-Antoine Watteau, trazida em capa, também retoma este sentimento da pureza e delicadeza do amor. 

Publicado originalmente em 25 de junho de 2016

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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