Não há paz para as mulheres negras na política

NÃO HÁ PAZ PARA AS MULHERES NEGRAS NA POLÍTICA

Não há paz para as negras na política

As feridas abertas do Brasil encontram na política um espaço muito propício para infeccionar e contaminar toda a brasileira

Por Paolla Miguel/Mídia Ninja

Esse fenômeno é muito bem ilustrado pelo racismo e tantas outras estruturas de poder opressoras que nos impedem de avançar como sociedade. Todas elas estão presentes na política, em maior ou menor grau. Nos parlamentos e governos, essas violências ainda fincam raízes, encontram um megafone para se legitimar, ganhar força e se estruturar.

Digo com muita firmeza: não há paz para mulheres negras na política. Somos apenas 16% das vereadoras eleitas em 2020. Apenas 18% de toda a bancada de deputadas federais. E, ainda assim, os lugares que ocupamos à base de muita luta despertam a ira de setores ligados à e ao ultraconservadorismo. 

Em um evento recente, apenas 2 minutos foram necessários para que nosso mandato sofresse um dos mais fortes e implacáveis ataques da extrema-direita de  Campinas nas redes e em peças levianas perante o parlamento municipal. Nos acusaram de todo tipo de absurdos infundados.

Manipularam imagens para apelar a um conservadorismo latente. Jogaram sua horda odiosa contra nós. Ao final, esse foi o estopim para um pedido de Comissão Processante que pode levar à cassação de uma parlamentar negra de  Campinas, no interior de São Paulo.

Se você ainda não me conhece, sou Paolla Miguel. Filha da Neli, engenheira, nerd, vereadora em 1º mandato pelo PT em Campinas. Uma negra e LGBT muito ligada às pautas que carrego no meu . Represento primordialmente aquelas e aqueles que não têm voz nem vez.

Ao contrário de muitos que andam entre os nobres, caminho entre os marginalizados. Estou ao lado da juventude negra nas periferias, da comunidade LGBTQIAPN+, das trabalhadoras e trabalhadores da , das famílias em luta pelo acesso à Cannabis Medicinal, das pessoas na interminável fila da habitação popular.

Represento todas essas pessoas sendo uma mulher negra e LGBT. A primeira mulher LGBT a ocupar uma cadeira como essa em  Campinas.

Por ser quem sou, já fui xingada na Câmara Municipal de  Campinas de “preta ”. Inclusive, a criminosa era convidada do vereador da extrema-direita que iniciou o mais recente ataque contra nosso mandato.

Por ser quem somos, nós vereadoras negras recebemos esses e muitos outros tipos de ataques orquestrados. Subvertem as normas para nos acusar de episódios infundados. Mentem para assassinar reputações.

Manipulam para expurgar essas mulheres que nunca deveriam ter chegado ali. Mancham a reputação da nossa frágil democracia para tentar nos destituir de espaços que conquistamos com tanta luta. A mensagem é direta: não há paz para aquelas que ousam representar os excluídos. 

Nós, que nunca tivemos uma das mais fáceis, resistimos e fazemos um trabalho necessário. E, cada vez mais, contamos com a solidariedade de mulheres e homens que conhecem muito bem as estruturas que estamos acessando e as forças que querem nosso fim.

Contamos também com os movimentos sociais, com os partidos, com as pessoas organizadas em e comunidades reais, nos bairros. Juntas, juntos e juntes formamos um tecido forte, resistente aos ataques, à sujeira, às manchas de um lamaçal de ódio e rancor. 

Não há paz para mulheres negras na política, é verdade. Mas fomos forjadas na luta, estamos prontas para as batalhas e, tenho certeza, venceremos essa guerra com diálogo, convencimento e, se necessário, com as armas políticas, sociais e educacionais que recebemos daquelas que vieram antes de nós e estão hoje ao nosso lado. 

Formemos os nessa política branca e excludente. Não há luta que uma mulher negra não esteja pronta para travar – e vencer.

NÃO HÁ PAZ PARA AS MULHERES NEGRAS NA POLÍTICA
Fonte: Agência Senado/Geraldo Magela

Fonte: Mídia Ninja   

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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