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Neca de vergonha alheia do inimigo!

Neca de vergonha alheia do inimigo!

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) 

Acho estranho alguém das nossas fileiras sentir vergonha alheia do Bolsonaro. Vergonha alheia é uma manifestação da empatia. Você veste a pele do outro, e quando vê que alguma coisa o afeta, você também é afetado. 

Sinto vergonha alheia do Lula, quando ele fala besteira. Mas do Bolsonaro eu sinto aversão, asco, nojo, enjoo, repugnância.

Pesquisadores italianos explicaram a empatia em termos fisiológicos, vinculando esse sentimento aos neurônios-espelho. Você se espelha samaritanamente no próximo. Por isso o bocejo é contagiante. E por isso muita gente chora no cinema ao ver o mocinho em apuros, ou fica eufórico quando ele beija a namorada. Alguns, ainda mais animados, chegam a entrar na tela, como a Cecília (Mia Farrow) fez ao acompanhar o Tom Baxter (Jeff Daniels) em Rosa Púrpura do Cairo, do Woody Allen.

Cólica – A empatia tem limites. Como diz o Brás Cubas, “suporta-se com paciência a cólica do próximo”. Em termos artísticos, a empatia leva à catarse. No fim da peça ou do filme, você se sente redimido quando o mocinho faz justiça munido das mais sublimes virtudes morais. Pacificado, você esquece as injustiças promovidas pela Máquina do Mundo neoliberal, e vai dormir o sono dos anjos.

O Bertolt Brecht percebeu essa armadilha e inventou um troço chamado “efeito de distanciamento” para nos lembrar de que o ator está interpretando um papel, não está agindo como cidadão do mundo real. Hoje ele faz o mocinho, amanhã, o bandido, depois de amanhã, alguém de qualidades ambíguas. Distanciando-se do ator (hypocrités em grego antigo), você se mantém alerta, ciente de que está diante de uma peça ou filme. Em vez de mergulhar no turbilhão da obra de arte, você se resguarda com o espírito crítico, pronto para enfrentar e mudar a realidade no dia seguinte, às vezes ao preço de uma noite insone.

Ora, o desgraçado do Bolsonaro faz política como quem atua no teatro. É um performático. Como escreveu a Eliane Brum, ele foi à Assembleia Geral da ONU com o objetivo de debochar do mundo.  Quem não percebeu o truque, caiu na esparrela da vergonha alheia, como se ele representasse o .

Guararapes, o caralho! – Eu nunca senti vergonha alheia do general Geisel nem do general Figueiredo nem do coronel Collor nem mesmo do simplório do Itamar Franco. Pra dizer a verdade, nem dos 7 a 1 da Alemanha contra a Seleção. Sinto um efeito de distanciamento do que se chama “nação brasileira”, a suposta síntese das três raças da Batalha de Guararapes, construto ideológico pra boi voador dormir e pra justificar a origem mítica das Forças Armadas, que foram organizadas de fato só na Guerra do Paraguai. Talvez devêssemos chamar aquela batalha em Pernambuco de Guara-rapes, o segundo termo em inglês…

Eu também não engulo a história da “ tardia e tropical” do Darcy Ribeiro. “Nova Roma” é o caralho!

Não tenho nada a ver com o Brasil dos Bolsonaros, da boçalidade, da tortura, dos evangélicos fanáticos, do ogronegócio herdeiro da escravatura nem muito menos com o Brasil do ministro da Aeronáutica, que ainda esta semana bateu palmas para os xingamentos do escroto do presidente da Fundação Palmares contra os militantes do povo negro, desqualificados como “afromimizentos” e “senzala vitimista”.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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