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A lenda do Negrinho do Pastoreio

A lenda do Negrinho do Pastoreio

A lenda do Negrinho do Pastoreio

Nos tempos da escravidão, havia lá pelas bandas do Sul um estancieiro malvado que gostava de judiar com os escravos. E havia ali um negrinho, um menino de 14 anos, que cuidava dos animais da fazenda…

Por Lúcia Resende

Certo dia de inverno, fazia um frio de rachar e de bater queixo. O fazendeiro gritou o menino e mandou que fosse pastorear os cavalos e potros que acabara de comprar. A ordem era trazer os bichos, e rápido.

No final da tarde, tremendo de frio, o menino voltou com os animais, mas logo o homem gritou que faltava um cavalo baio. Já foi falando e chicoteando. Foi uma surra tão grande que o negrinho ficou sangrando. E o estancieiro deu logo nova ordem: “Você vai me dar conta do baio, ou verá o que acontece!”.

Amedrontado, o menino saiu à procura do animal na noite fria e escura. Logo ele achou o baio pastando. Jogou o laço, acertou de primeira, mas a corda se partiu, e o cavalo fugiu de novo.

Ao saber do ocorrido, o patrão, ainda mais irritado, espancou o garoto e o amarrou, totalmente despido, em cima de um formigueiro.

No dia seguinte, mal o sol raiou, o malvado foi ver o estado de sua vítima.  Encontrou o menino de pé, com a pele lisa, sem nenhuma marca das chicotadas. Ao lado dele, Nossa Senhora, a quem ele chamava de madrinha. Mais adiante, o baio e os outros cavalos. O estancieiro se jogou no chão pedindo perdão, mas o negrinho apenas beijou a mão da Santa, montou no baio e partiu, conduzindo a tropilha.

Depois disso, o Negrinho do Pastoreio já foi visto inúmeras vezes tocando uma tropilha de tordilhos, montado em um cavalo baio. Diz a lenda que, quando qualquer pessoa do campo perde uma coisa, basta acender uma vela, rezar um Pai Nosso e pedir ao Negrinho, que ele campeia e acha, colocando em lugar fácil para o/a dono/a encontrar.

Ah, mas a vela não pode ser colocada em qualquer lugar. Tem de ser junto do mourão de alguma porteira ou debaixo de alguma árvore, e enquanto acende a chama a pessoa tem de dizer: “Foi por aí que eu perdi… Foi por aí que eu perdi… Foi por aí que eu perdi…”.

Portanto, se andando por aí alguém encontrar um menino ligeiro, alegre, montado num cavalo baio e tocando uma tropilha, não precisa duvidar, é ele mesmo: o Negrinho do Pastoreio. Precisando, é só chamar, que ele acode. Dizem que, se ele não achar o que foi perdido, ninguém mais acha.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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