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Negros se reuniam no Sul para refletir sobre a dor do racismo

Negros se reuniam no Sul para refletir sobre a dor do racismo

Poeta Oliveira Silveira era fichado pela ditadura

Por Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil

“Treze de maio/ traição/ liberdade sem asas e fome sem pão/ Liberdade de asas quebradas (…)”. Os versos do poeta gaúcho Oliveira Silveira (foto) (1941-2009) eram mais do que uma inspiração momentânea. Poesia e prosa se uniam em um caminho de luta. O escritor e professor fazia parte de um grupo de intelectuais negros que se reunia no centro de Porto Alegre para refletir sobre arte, cultura e a dor do racismo. O grupo, que nasceu em 1970, ganhou o nome de Palmares. Segundo pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, seus integrantes faziam parte de uma geração que queria ressignificar a luta antirracista. 

Em meio a discussões efervescentes, eles lembraram que o 13 de maio (que tem referência com a abolição da escravatura em 1888), não os representava. Para eles, seria uma outra data que precisaria de destaque especial: o 20 de novembro (da morte de Zumbi dos Palmares, de 1655-1695). Esse, sim, haveria de ser o Dia da Consciência Negra. Nascia ali naquelas conversas o caminho para uma data nacional, feriado nesta segunda-feira (20) em seis estados e em pelo menos 1.260 cidades.

Legado 

“Eu fui criada no meio do movimento negro, das reuniões, dos grupos dos quais meu pai fez parte. Essa foi a minha vida. Meu pai faleceu, mas deixou de herança todo o seu legado, toda a sua história de luta”, recorda a professora Naiara Rodrigues Silveira, de 54 anos, filha única do poeta Oliveira Silveira. Ela, que se identifica também como ativista pelos direitos e causas raciais, carrega os argumentos do pai na luta pela melhoria das condições de vida de pessoas negras.  

“É uma luta que faz parte da minha vida”, diz a professora, que trabalha com educação de surdos na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. “Como militante, cabe a mim dar continuidade aos projetos que ele me deixou: Associação Negra de Cultura e agora o Instituto Oliveira Silveira”, afirma. Naiara era uma criança quando houve a primeira reunião do grupo Palmares. Ela estava presente correndo de um lado para outro. No dia 20 de novembro de 1971, os integrantes do grupo apresentaram à comunidade que aquela data poderia trazer um novo significado de luta ao país. 

Ela argumenta que o pai sempre foi uma pessoa reconhecida em Porto Alegre, mas, após a sua morte, todo o trabalho dele passou a ser mais reconhecido. Nesta segunda-feira, a família de Oliveira Silveira vai receber, em nome do escritor, o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Cultura contra o racismo

Pesquisadora dessa história, a professora Petronilha Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), argumenta que a proposta feita pelo Grupo Palmares ganhou força com as poesias, mas também com os artigos científicos escritos pelos professores e estudantes. 

A primeira reunião do grupo teve Oliveira Silveira, Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes. O próprio Silveira escreveu – em publicação de 2003 – que a ideia do grupo Palmares era cultural, mais propriamente para literatura e teatro. Mas eles foram além disso. 

Os detalhes dessa história estão em obra escrita pela professora Petronilha em parceria com o sociólogo Valter Roberto Silvério, também docente da Ufscar, publicada em 2003 pelo MEC. 

Ditadura e resistência

O movimento – nascido no início da década de 1970 – um dos momentos mais violentos da ditadura militar brasileira, pós-adoção do Ato Institucional número 5 (AI-5,) – era reconhecido também como uma ação de resistência em meio à revogação de liberdades individuais. 

“O 13 de maio era uma data que não nos representava e, por isso, [eles] celebraram, desde 1971, o primeiro 20 de novembro. O celebrar não tem o sentido de comemorar, mas de lembrar”, enfatiza. O professor Valter Silvério chama atenção para o fato de que o governo militar estava atento aos movimentos negros no Brasil, tanto do campo como das cidades. 

Seriam esses movimentos que poderiam escancarar a falta de políticas públicas. “O próprio Oliveira Silveira era uma pessoa fichada no departamento de política. Várias pessoas (do movimento negro) eram observadas. Havia, sim, vigilância sobre o escritor e sobre o grupo Palmares e vários outros grupos negros no Brasil”, sustenta. 

Impactos educacionais

Segundo o professor Silvério, a escolha da data leva em conta que os descendentes africanos lutam no Brasil contra um regime de expropriação do seu trabalho, mas também exploração da sua cultura. 

“Nós pudemos reconstituir a história do negro. O movimento se organiza a partir de uma perspectiva de que a população negra, independente do acontecimento, tem uma importância na formação social brasileira. Não dá para você entender o que é o Brasil, especialmente no sentido positivo, sem considerar a presença das culturas africanas no Estado brasileiro”, afirma Silvério. 

Ele aponta que o movimento contra o preconceito, encontrando datas simbólicas, também tem por finalidade reparar o impacto na formação das crianças e jovens.

O movimento na década de 1970, segundo a professora Petronilha, também impactou o processo educacional e a luta antirracista nas salas de aula. “No século 20, eram as professoras negras que faziam nas suas classes a luta antirracista”, observa. Petronilha diz que as dificuldades têm que ser reconhecidas e analisadas para que sejam superadas. 

As datas ajudam, então, a mobilizar múltiplos grupos para entender sobre assuntos que não são simples, mas que precisam de maior visibilidade. “Há uma pergunta fundamental. Que nação nós queremos? Para que nação nós trabalhamos ou estudamos? Para que nação nós, professores, pais, pessoas adultas, estamos educando?”, questiona a professora.

Escravidão

Segundo a pesquisadora, celebrar a data tem a finalidade de proporcionar discussões sobre a escravidão para que a violência nunca mais se repita. Mesmo assim, a realidade ainda não é completamente alterada.

“Infelizmente, sabemos que ainda hoje há pessoas trabalhando no campo praticamente em situação de escravizadas, em condições muito ruins de alojamento, alimentação, dificuldade de receber salários, medo de se deslocar, de decidir se quer ir ou ficar”, enfatiza.

Para garantir a conscientização, os pesquisadores consideram fundamental que exista o feriado [de 20 de novembro]. “É importante porque marca uma data que seja significativa para a nação ou para o projeto de nação que se tem”, acentua. Ou, como escreveu Oliveira Silveira: “batucamos no seu mapa/…quem sabe nem com isso e então vamos rasgar/a máscara do treze (de maio)/para arrancar a dívida real/com nossas próprias mãos”.

Edição: Kleber Sampaio

Fonte: Agência Brasil Capa: Instituto Oliveira Silva


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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