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FERROVIA FERROGRÃO

Ferrovia Ferrogrão: Povos Munduruku e Kayapó exigem direito à Consulta Prévia

Ferrovia Ferrogrão: Povos Munduruku e Kayapó exigem direito à Consulta Prévia

Ferrovia Ferrogrão: Povos Munduruku e Kayapó exigem direito à Consulta Prévia – O empreendimento da EF-170, também chamada de Ferrogrão, visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. O corredor a ser consolidado pela EF-170 e a rodovia BR-163 consolidará uma nova rota para a exportação da soja e do milho no Brasil. E afetará diretamente os territórios indígenas, especialmente dos povos Munduruku e Kayapó.

Por Ana Paula Sabino

O trecho cumprirá um papel estruturante para o escoamento da produção de milho, soja e farelo de soja do de Mato Grosso, prevendo-se ainda o transporte de óleo de soja, fertilizantes, açúcar, etanol e derivados do .

“A Ferrogrão vem aumentar o desmatamento, aumentar produção de grãos, jogar mais venenos no rio, com isso vem a necessidade de fazer mais barragens e hidrelétricas que inundam as nossas florestas. Destroem nosso modo de vida. É um que vai massacrar os ”, alertou a liderança feminina Alessandra Munduruku.

O empreendimento é um dos maiores projetos na carteira de infraestrutura do governo. A Ferrogrão poderá ter 40 impactos socioambientais negativos, sendo 12 de “alta significância”, como risco de interferência em áreas de proteção permanente (APPs) e de contaminação dos recursos hídricos na região. Esses efeitos foram identificados na versão preliminar dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-Rima) da ferrovia, que deverá ter 933 quilômetros em sua primeira fase, entre Sinop (500 km ao norte de Cuiabá) e Itaituba (PA).

“No aspecto físico, as atividades transformadoras precursoras de impactos de alta significância poderão comprometer cursos d’água por meio do assoreamento e da contaminação dos recursos hídricos (superficiais e subterrâneos)”, diz trecho do estudo.

Recém-protocolados no Ibama, responsável pelo licenciamento do projeto, os estudos indicam uma série de efeitos possíveis durante a etapa de obras: interferência em APPs, fragmentação de habitats, perturbação da fauna, redução do estoque de e diminuição da flora nativa, em especial as espécies endêmicas raras e as ameaçadas de .

O projeto da Ferrogrão está em análise, atualmente, no Tribunal de Contas da União (TCU). A expectativa do Ministério da Infraestrutura é fazer o leilão da ferrovia, no segundo semestre, e dar continuidade ao projeto.

Em fevereiro, lideranças indígenas dos povos afetados estiveram em Brasília e, junto com a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e as instituições parceiras da Rede +, participaram de uma audiência virtual, conversaram com o Ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União, relator do processo TC 037.044/2020-6, para expor as preocupações das comunidades em relação à Ferrogrão.

Os indígenas seguem mobilizados e protocolaram uma carta entregue no gabinete do ministro Aroldo Cedraz, Ministro Relator do processo no TCU. Leia a carta na íntegra:

CARTA CONJUNTA KAYAPÓ E MUNDURUKU AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU)

Ministra Ana Arraes

Presidente do Tribunal de Contas da União

Excelentíssima Senhora,

Nós, lideranças indígenas do povo Kayapó Menkragnoti, da bacia do rio Xingu, e do povo Munduruku, da bacia do rio Tapajós, viemos hoje até este Tribunal para defender o nosso direito de Consulta sobre o projeto da Ferrogrão, que é o objeto da Representação 037.044/2020-6 e que ainda será analisada por esse Tribunal.

Nós tivemos de sair às pressas de nossas aldeias para vir até Brasília porque soubemos que a nossa Representação seria discutida hoje, dia 23 de fevereiro, e que a imprensa estava dizendo que ela já tinha sido arquivada sem nos escutar.

Viemos aqui para falar para a senhora e os demais senhores ministros que o Tribunal de Contas da União precisa cumprir com o seu dever de órgão de controle e impedir a continuidade de um projeto que desrespeita os direitos dos povos indígenas.

O Tribunal de Contas da União tem uma grande responsabilidade nas suas mãos, não pode decidir às pressas e muito menos sem antes escutar todas as partes. O projeto de concessão da Ferrogrão é de 69 anos, um erro na sua avaliação pode comprometer muitas gerações.

As decisões têm que ser tomadas com calma e suficiente para escutar todos os envolvidos, principalmente os povos indígenas e as comunidades tradicionais das bacias dos rios Xingu e Tapajós onde se pretende instalar a ferrovia e todas as outras obras que a complementam como portos, hidrovias e estradas, entre outras.

Nós temos o direito de sermos consultados sobre o projeto da Ferrogrão, sobre sua viabilidade econômica, social e ambiental, antes de sua licitação e de seu licenciamento ambiental.

Os impactos dessa ferrovia e das demais obras a ela associadas envolvem impactos regionais que afetam nossos territórios, florestas, rios e, portanto, nossa própria forma de viver. O governo ainda não cumpriu com sua obrigação de e homologação de nossos territórios.

O próprio governo já reconheceu sua obrigação de nos consultar e fez a promessa, em 2017, de que somente enviaria o processo da Ferrogrão para o TCU depois de nos consultar.

O Tribunal de Contas da União precisa garantir que os processos de concessão respeitem as leis e os direitos dos brasileiros. Os projetos de infraestrutura do governo têm que cumprir com o direito de consulta dos povos indígenas desde a fase de , e não depois da licitação dos projetos, ou apenas no contexto do licenciamento ambiental para discutir medidas de mitigação e compensação.

Sabemos que temos direito a participar das decisões públicas capazes de transformar nossos territórios e nossas vidas, queremos que o TCU faça valer nosso direito e não aceite que o governo avance na concessão da Ferrogrão sem nos consultar.

Os povos indígenas no Brasil já foram muito ofendidos por obras de infraestrutura decididas unilateralmente sem nos escutar. Nós não vamos aceitar mais esse tratamento e não aceitamos que o projeto da Ferrogrão continue dessa forma. Contamos com o bom senso do Tribunal em respeitar corretamente os direitos dos povos indígenas.

 Atenciosamente,

 Povos Indígenas Kayapó e Munduruku

23 de fevereiro de 2021


Ana Paula Sabino

Ana Paula Sabino – Jornalista.
Membro do Conselho Editorial da
Revista Xapuri

 

 

 

 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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